O INSATISFEITO
17 de Outubro de 2005
Quem procura algo profundo e particular na
vida tem de experimentar, e muito, para encontrar.
Mas o insatisfeito projeta seus sonhos para além do horizonte
azul, realidade que sabe de antemão que não alcançará, em virtude de não
confiar em si. Segredo que não revela nem à sua mãe, pois não se acha
capaz de reproduzir o exemplo do pai. A insatisfação está relacionada à
falta de auto-estima e não ao tamanho do sonho. Daí usar de artifícios
aparentemente inofensivos para se sobressair valendo-se de seu visual
refinado, farta articulação e carisma. O que faz com que as mulheres se
sintam atraídas por ele, baixando a guarda. Sem desconfiar de truques e
disfarces engendrados para se inserir no jogo de interesses que alavanca
o mundo. A astúcia travestida de uma cara dura quando opina sobre
economia para ensinar como se ganha mais dinheiro, julgando-se um alto
conselheiro da corte, ao votar pensando exclusivamente no bolso. Adora
confrontar esperteza e ética, lançando cortinas de fumaça para torná-lo
mais enigmático e facilitar a sondagem impiedosa de suas vítimas, dotado
que é de uma necessidade voraz de relacionamentos.
Frustra-se no que se propusera a ser, com
inúmeras lacunas não-preenchidas, devido à sua precaução realista - nem
tudo que está na vitrine é para se comprar. Extremamente competitivo, o
seu coração é sempre um campo de batalha intolerante com a fraqueza,
inadmissível bater em retirada. Traz dentro de si uma ferida de algum
problema emocional ou sexual para o qual não encontra solução. É o cerne
de sua tendência autodestrutiva.
Mão-de-vaca, necessita de uma base familiar para se servir e
não arriscar o patrimônio de miserabilidades que acumula. Apegado a um
mundinho que constrói com mesquinharia, carrega o peso da frustração de
não ter culhões para se acasalar quando encontra a mulher de sua vida.
Não dá sopa pro azar, vai que ela descobre que sexo e amor estão ligados
ao intenso desejo de viver uma experiência que ele nunca poderia
proporcionar. O insatisfeito daria um tiro na cabeça se ela revelasse
que ele é um vagabundo na alma, no desperdício de propósitos, na
covardia do afeto e no orgulho narcísico. Como, por exemplo, se manter
fiel, um grande ato de auto-sacrifício.
O ceticismo é o mentor do fracasso, pois só se consegue
vencê-lo com muita espiritualidade. As regras para sobreviver nessa
selva condicionam o insatisfeito a trilhar o mesmo caminho e enfileirar
mulheres que lhe propiciam a chance de explodir de raiva e demonstrar
seu ressentimento. Ela receberá em troca uma compreensão ímpar, pois ele
lê pensamentos. Basta aprender a conviver absorvendo seu espírito
vingativo nas contendas amorosas. Ganhará seu repúdio se desestabilizar
sua necessidade de controle.
O grau de irrealização do insatisfeito é inominável. Não leva a
cabo suas tarefas, afoga-se na luxúria, guarda a sete chaves o seu maior
segredo: quanto à virilidade, que confunde com impotência em conquistar
o que deseja. Tem horror a ser largado pela mulher ao descobrir que sua
cultura de internet o tornou um incrível homem que encolheu. Sistematiza
sua organicidade para cair de pé e aproxima-se da fronteira gay quando a
insatisfação traz a reboque a apatia. Mas não reconhece, e mata quem
ousar levantar dúvidas sobre sua preferência sexual - um homófobo, por
excelência.
Para fugir dessa enrascada, abandona incontinenti a
“galinhagem” e casa para formar família, se autoblindando. Para não
ficar sujeito ao crepúsculo do macho se solteiro, enganando mulheres
casadoiras graças à sua lábia e savoir-faire.
Heteros e gays sentem compaixão do insatisfeito, apesar dele
não passar recibo escudado em sua inteligência raio X que não o impede
de ser tornar uma ilha cercado de amigos que não minoram sua
insatisfação crônica.