O BISSEXUAL
12 de Dezembro de 2005
O bissexual se escora num enigma tão
complexo quanto a escolha do objeto sexual e de desejo, da mesma ordem
de por quem vamos nos apaixonar, sentir ódio, prazer ou desprazer. Todos
somos virtualmente portadores de características biológicas masculinas e
femininas e estamos sujeitos às ordens emanadas do organismo dito físico
ou das entranhas do corpo ou dos caprichos biológicos se sobreporem à
censura psíquica. Um impulso que o empurra para agir, buscando a
satisfação e a descarga de energia; caso contrário, a frustração se
instala.
O bissexual tem como objeto sexual o homem e a mulher,
usufruindo da alternância de papéis dentro da relação com os dois sexos.
O que pode dificultar o processo que enfrentamos ao longo de nossa
existência: descobrir quem somos para aceitarmo-nos. Bem retratado por
Pepeu Gomes em “ser um homem feminino não fere o
meu lado masculino; se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino!".
Diametralmente oposto ao desejo do homossexual
direcionado a um objeto. Numa opção clara, inequívoca e insofismável.
Não se registram deserções à causa enquanto o bissexual no trânsito do
orgasmo masculino e feminino não consegue tirar a máscara do rosto. Para
que o vejamos como ele realmente é ou se se trata de uma exigência
descabida para tirá-lo do armário.
A sexualidade não deve ser fonte de sofrimento e se transformar
num imbróglio existencial. Em busca de novos valores, realizações e
fantasias para escapar de tradições e costumes a que estamos sujeitos,
os bissexuais levam a vantagem de não se identificarem e se exporem aos
preconceitos e constrangimentos que os homossexuais enfrentam. Mantendo
as aparências enquanto ganham tempo, face às cobranças do meio em que
circulam. Para serem aceitos sem reservas, livres da pecha de
indefinidos ou enrustidos. A salvo do fuzilamento da sociedade que gera
culpa pela diferença entre o que são e o que se espera deles.
Quando nos pomos a tirar dúvidas da
bissexualidade, o enigma nela contido dá algumas pistas a partir da
homossexualidade. O conflito perante a porção homossexual divide os
bissexuais em dois grupos, na dependência da atração ou da prática
predominante ser de caráter hetero ou gay. Quanto aos primeiros, não
gostam de se autoproclamar; visto que a porção heterossexual é avalizada
pela sociedade, para que queimar seu filme com escapulidas indignas de
nota? Ao contrário dos segundos, que recorrem à bissexualidade numa
tentativa de se legitimarem, por não conseguirem assumir a
homossexualidade em seu estatuto social. Ambas as situações têm em comum
o desconhecimento da esposa.
Daí a bissexualidade ser uma derivação do
indivíduo homossexual para transitar na sociedade sem se fazer notar, ao
constituir família para lhe garantir segurança em nível profissional e
social. Retribui o lar, doce lar com uma sexualidade satisfatória, sua
esposa corre até o risco de se sentir feliz. Se a identidade sexual
secreta um dia se revelar, o casamento desmorona. Contudo,
ressentimentos podem dar lugar à viuvez de uma sensibilidade improvável
de se encontrar num hetero.
Você é gay, hetero ou então está mentindo,
afirmam alguns homossexuais que se irritam com a ambivalência de
supostos bissexuais que se mostram muito mais excitados diante de outros
homens. Decretam: homens que dizem gostar dos dois sexos na verdade são
homossexuais não assumidos. Claro que precisaríamos de um outro Alfred
Kinsey para fazer uma pesquisa e comprovar a tese. Suas estatísticas
apenas constataram experiências pré-sexuais durante a puberdade, quando
se descobre sensações de prazer sexual, como corpos tocados de modo
libidinoso, excitação diante da nudez e masturbação induzida pelo
pensamento erótico livre da pressão do padrão de comportamento de acordo
com o gênero a que pertencem.
O amor pode ser comparado a uma Olimpíada, em
que na medalha de ouro se almeja o orgasmo afetivo e sexual.
Minimizando, se deseja a amada para si. Menos, menos, não quer perdê-la
para outro. A exigir convergência e não dissociação. O bissexual é o eu
dividido que não se encontrou. Procura prazer em ambas as relações, com
ou sem troca afetiva. Pode até morrer assim, mas na medida em que se
desfazem os véus da hipocrisia... são tantos que se revelam!
Duvida-se de a bissexualidade ser uma prática
sexual distinta e estável. Representa um quebra-cabeça que a psicanálise
ainda não teve culhões para desvendar. Por exigir prática e não teoria,
para ganhar maior visibilidade e compreensão científica quanto aos
fatores culturais, sociais, psíquicos e genéticos que enjaulam a
bissexualidade.
Eu acredito em gnomo, o deboche típico de
heterossexual, com aquele olhar de desconfiança que mata o bissexual. Ao
não respeitar uma sexualidade em rota de colisão com a hierarquia sexual
ditada pela sociedade. Fazer amor com dois sexos só pode ser para se dar
bem. Inveja pura do pênis do bissexual ao entender seu caráter ambíguo
como poligamia que cheira a orgia. Enquanto o hetero é monossexual
condenado à monogamia. Quando o amor é o objetivo afetivo do ser humano.
Proporciona uma segurança incrível amar alguém e ser amado de volta.
Seja qual for o sexo.