O JARDINEIRO FIEL
06 de Março de 2006
No fulgor da juventude e do
sucesso profissional, sempre foi um homem macho que agradava às mulheres
ao encarnar o barquinho vai de Ronaldo Bôscoli, capaz de apaixonar de
Elis Regina a Maysa em dias de luz, festa de sol. Ela nem acreditou na
proposta de casamento associada ao macio azul do mar, onde tudo é verão
e o amor se faz num barquinho que desliza sem parar. Já achava o máximo
ele possuí-la seguidas vezes, sob a alegação de que adorava desmontar o
seu arquétipo intelectual e pudico.
A lua-de-mel terminou quando ela descobriu
que um homem precisa de outras mulheres para se satisfazer. Quando ela
pensava ser a exclusiva e a homenageada por um sexo tão maravilhoso com
que diariamente ele a brindava. Quando passou a haver um espaçamento na
procura, ela não se tocou, achou normal na constância do casamento. Não
se apercebeu que nos uísques tomados por ele lá ia o desejo alimentado
por gatas, secretárias e putas - não podia ver um rabo-de-saia. Seu
mundo caiu ao enxergar nele um cafajeste. O que fazer, se ainda amava
aquele pulha?
Resolveu empreender uma reação e comê-lo pelas beiradas, já que
não estava a fim de abrir mão da vida em família, com filhos, netos,
sítio, cachorro e tudo mais a que tem direito. Chegou até a mudar de
profissão para crescer, aumentar o seu nível de saber e diminuir os
vínculos de dependência emocional. Mal consegue disfarçar sua
sexualidade crescente atrás de óculos graves que não contêm os agudos
que pretende imprimir nos orgasmos. Ele entende como o soar do gongo
para o início de uma disputa. Acusa o golpe, joga a toalha no ringue e
inicia seu processo de decadência, engordando que nem um cantor de ópera
que se transformou tardiamente em castrato. Tornou-se o avozão preferido
dos netos.
Foi quando ela decidiu continuar no casamento, mas dormir em
quarto separado. Sob pretexto de que dividir a cama é uma obrigação
absurda num casamento de longa duração. Era daquelas que acordava com
mau humor e não sabia aproveitar a ereção do sol. Ele preferiu se calar
e tornar-se um pizzaiolo ao construir um forno no sítio. A pizza
ajuda a manter tudo nos seus devidos lugares e ele não queria perdê-la,
pois descobriu que nenhuma outra mulher seria melhor que a sua.
Foi aí que o velhaco perdeu seu rebolado, ainda mais que ela
nunca lhe dará chance de saber se um dia irá embora ou não. Se tem um
amante ou não. Faz questão de deixar uma suspeita no ar. Até porque se
insere com rara facilidade dentre os amigos dos filhos, parecendo uma
irmã mais velha que se junta aos bons para ser um deles.
Quando ela o priva de seu sexo, ele passa a mão pelo pescoço
prevendo a iminência da ação da guilhotina. Prefere manter-se
acorrentado a ela como se fosse um cachorro. Contudo, ela pode
perfeitamente não manter relações com nenhum outro homem, pois tem
orgasmo com a vingança e escravidão no crepúsculo do macho. Como pode
perfeitamente impor uma relação com um pretendente cujo prazer seja
compartilhar dessa degradação de valores. Ela conseguiu retirar do
marido toda sua força vital para deixá-lo dependente do seu poder.
Ele se torna um jardineiro fiel como castigo a si próprio
por não ter sabido cuidar das flores e cultivar seu jardim.