O BÊBADO E O EQUILIBRISTA
03 de Abril de 2006
O bêbado tem muito mais consciência do que
o homem representa nos relacionamentos, por isso bebe. Para afogar seu
fracasso em não conseguir constância na mudança. Para ser compreendido
nas cafajestadas que infestam seu juízo, impondo-lhe que cometa seu
pecado já.
O bêbado mente porque enxerga no mundo a dissimulação que nos
obriga a ser educados calando a voz da indignação, para não pagar mico
no papel de criador de caso, desaforado e polemista inveterado.
Então é melhor beber, para não ter preocupações.
Para ter certeza de que certas coisas não se pode mudar. Nada o retirará
da condição de miserabilidade que o empurra para a bebida. Não adianta
se entregar ao amor, mesmo porque não tem amor para dar, no máximo
empresta.
O bêbado transita numa atmosfera de eterno desejo e perpétua
solidão com uma audácia desafiadora nos gestos e atitudes. Mas não
consegue ligar os fios corretamente e colar todos os pedacinhos. É
preciso coragem demais para ser feliz. Faça chuva ou sol não encontra
conforto no mundo, se falta paz na alma.
O sonho de uma vida a dois aflora na golada que pulveriza seus
neurônios por ser um sonho impossível. Na animação que incendeia sua
alma não vislumbra a aurora de alguém gostar dele como é, o sexo não é
seguro de encontrar resposta porque a ejaculação é precoce, tamanho o
mínimo do ego. Por isso bebe, para esquecer a única mulher a quem amou.
Mas que não o quis.
O bêbado não é só o halterocopista. É uma categoria de homem
que também incorpora os perdidos na noite, na agonia de manter o
equilíbrio no relacionamento como “casadinho” cujo recheio não combina
com a liberdade que o bêbado procura no fundo do copo. Brincar de
casinha exaure a imaginação que põe de pé a libido. Soa pesado o bêbado
reconhecer que não tem mais idade para ser vítima da mulher. Pois ela o
confunde com um apologista do amor-livre, um mero galinha egoísta, um
caçador que necessita de assistência e acompanhamento terapêutico.
Imerso na angústia da não-realização, busca desesperadamente
superar uma performance tão inconveniente quanto hostil diante do
avassalador buraco da fechadura pelo qual as pessoas avaliam seus
semelhantes. Mas o bêbado resolve jogar tudo pro alto ao se encaixar na
vilania, deixando-se congelar numa infeliz resignação. Num exercício de
futurologia, sua alma somente encontrará equilíbrio em 2050, quando os
andróides tomarão o lugar do ser humano, falido por transformar o
relacionamento num negócio que atenda à conveniência dos dois.