O BLEFE
01 de Maio de 2006
Ao homem é facultado o poder de ter dois
filhos, gerados ao mesmo tempo, com a esposa e a amante. Destinada a
esculpir o rebento em sua fábrica, a mulher, no máximo, pode traí-lo
estando grávida, ou então, ter dois homens ou mais e depois não saber
quem é o pai, necessitando do teste do DNA para dirimir a dúvida atroz.
Todavia não esclarecerá se quem a amou mais foi o que lhe fecundou. O
pai poderá ter sido justamente quem ela menos queria para pai de seu
filho.
A reprodução não cai como um raio na cabeça do homem. Eles não
conseguem se bastar na singularidade do ente amado, se acolhem na
pluralidade. E transformam-se em personagens de um grande imbróglio em
torno de a quem o coração pertence. Contudo, não titubeiam em entrar no
túnel do amor por acreditarem que se pode amar mais que a unidade, ao
darem uma nova versão a crescei e multiplicai-vos. Agonia e êxtase,
pressentem que um dia isso terá um fim, o amor verdadeiro irá aflorar -
desejo ou ameaça? Como qualquer peixe, cairão nas malhas. Até por
inércia.
Caso contrário, se constituirão em meros
instrumentos do desfrute para satisfazer o ego e provar que são amantes
maravilhosos. À semelhança de Narciso, tornar-se-ão gays para transar
somente com sua imagem, já que o objeto do amor não o realiza como
macho.
Essa gente jura de pés juntos que não está preparada para o
casamento, o qual chama de relacionamento, quando se trata do encontro
das águas - a pororoca. Não admitem que querem e precisam do casamento,
mas simplesmente fracassaram. E aí partem para a infidelidade, o
troca-troca, a confissão da incompletude. Já que não cabe ser fiel
quando não se ama mais, ou nem chegou a amar, não justificando continuar
insistindo. O instinto, a inspiração, a poesia, o acaso, o incidente,
desviam seus olhos para encontrar uma nova história de amor.
Porém, quando a mulher faz a fila andar o homem estanca seu
passo. Não pode mais chamá-la de vadia, mas tenta isolá-la sob o
pretexto de pertencer a uma espécie que não merece confiança, capaz de
tudo, até de trocá-lo por outro melhor. Com eficiência e rapidez. O que
o apavora, com ímpetos de voltar ao passado, quando dava as cartas. Não
desconfiavam da autenticidade de seu baralho ou de trunfo escondido na
manga. As mãos hábeis na manipulação, uma esperteza reconhecida em meio
à cortina de fumaça com que cigarros e charutos disfarçavam a tensão na
conquista da vitória a qualquer preço. O blefe como alma do jogo,
exaltado pelo misto de ousadia e inteligência, a gênese do percurso do
homem.
Hoje a mulher pode dizer na cara do homem que ele é um blefe. A
ação do tempo já o fez assimilar que foram-se os anéis, mas ficaram os
dedos.