O COMPLEXO DE CORNO
15 de Maio de 2006
“Você me deixa muito solta. Ao mesmo tempo
em que me sinto presa a você. Gostaria que você me protegesse mais, que
estivesse mais presente na minha vida. A cada dia que passa, me sinto
mais medrosa, não consigo abrir mais espaço, abrir a guarda para outra
relação, porque não quero... correr o risco de te perder.”
Esse fragmento de discurso em tom de amor dilacerado não
contamina os habitantes do Complexo de Corno, uma ilha que cresce num
continente de insensibilidade onde proliferam casais que vivem em regime
de escora, ambos não se sustentam se um não der a mão ao outro.
Ele ainda não é corno, mas inconscientemente se
oferece em sacrifício ao se dizer apaixonado, exigindo dela uma atenção
tal como a criança que explora a mãe. Mas não comparece como homem: não
participa, não ouve, não elogia e sequer repara na mulher, porque quer
sempre estar na berlinda. Se acha o bambambã, mais importante que tudo,
só tem olhos para quem o sirva. Declara não querer perdê-la e não poder
viver sem ela, mas não presta atenção na mulher que tem.
Ele não está à altura do varão que pensa que é, só tem pose.
Não tem a pegada que caracteriza o homem gostar de mulher, quando a
aperta num canto e, com o olhar, revela quanto a deseja. Nem ao menos
sabe explorar os esconderijos que a mulher guarda em seu corpo... e a
insatisfaz. Quando não a deixa chupando o dedo. Não tem a menor noção de
que já está desenrolando o tapete vermelho para o diabo entrar em sua
casa.
É o tipo de homem que estimula a mulher a uma vida sexual
dupla. Ela agirá às escondidas. Sem envolvimento romântico. Para
resguardá-lo do papel de corno. A mulher do corno é, antes de tudo, uma
mulher forte, com potencial, que se distingue no que faz, que adora
parir e ter filhos - uma desculpa para continuar a ser do jeito que é.
Tem medo de desembestar caso se separe do egoísta do cornudo. A bela da
tarde é capaz até de dar um remédio para o marido dormir enquanto dá um
pulinho na esquina e volta correndo antes que ele acorde. Prefere
preservar o casamento ao estabelecer um jogo em que nenhum dos dois dá
conta de si.
O corno é uma figura de ficção, muito exaltado no lendário
popular que adora fazer a caveira de quem é traído pelo parceiro, quando
não existe traição no instante em que o amor acaba. Precedido por um
desamor que se instalou com a falta de empatia, na perda de afinidades,
o amor que não mais se encaixa. O amor insuficiente que virou amizade
quando muito. O amor que o ciúme destruiu porque a impaciência não abriu
espaço para a tolerância. O amor pulverizado pela competição, falecendo
na submissão. O amor que perdeu substância na alienação ao chamar o
marido de pai e a esposa de patroa. O amor devorado pela inapetência.
Com que sentido se manter fiel se o vínculo afetivo se desfez?
Jaz longínquo o amor à primeira vista. O casamento tem direitos e
obrigações, mas o amor só tem compromisso com o amor. Entre restar
falido e renovar-se com outro amor, a opção é a esperança. Quem
preferir, banqueteie-se com o complexo de corno!