O MANIPULADOR
05 de Junho de 2006
Temos uma boca e dois ouvidos, mas jamais
nos comportamos à altura de um arsenal desse tope. É mais fácil falar,
mesmo porque as palavras voam e se perdem. Ouvir é mais difícil,
significa internalizar o que muitas vezes você não quer admitir. Imagine
se tiver que assimilar.
Se ouvir fosse fácil, se falava melhor, não com tantos erros no
expressar-se, muito embora a ênfase seja dada aos erros de português,
quando o que importa é interpretar. Para melhor desempenho como ser
humano. Para nos tirar do estado primata de tolerância em que nos
encontramos: ainda se fala em como suportar a presença do outro, e não
como aceitar o outro.
Há casos em que é melhor escrever do que falar.
Para não ser mal-compreendido. Entrar mudo e sair calado dá o tom certo
para não se meter em enrascada quando você diz o que sente.
Se você põe pra fora a sua verdade, fala com emoção correndo o
risco de perder o controle ao não ser entendido. Posto que você fala sem
critério, e se desprotege. Se fragiliza ao evidenciar seus flagelos.
Chacoalha os sentimentos e abala o ouvinte, batendo em suas
dificuldades. Que só vai ouvir o que pode ouvir, pois desencadeia
questões mal-resolvidas que refletem no lugar que ele não suporta. A
preponderância da emoção o embaraça e se converte num estorvo,
obrigando-o a reagir para não expor seus pontos fracos.
É quando o ser humano mostra a sua face perversa. Para se
fortalecer, é preciso prevalecer do ponto de vista moral, nem que tenha
de manipular. É a lei da seleção natural de Darwin, o mais apto serve-se
da razão para predominar sobre a emoção. Qual não fora sua porção animal
para levar vantagem. Qual não seja o seu lado racional para sentir
satisfação em dominar o próximo.
O manipulador se aproveita quando você está fora de si e
desvela seu íntimo em impressões livres de sutilezas, a revelar num
rasgo inconsciente que confia nele para poder passar a limpo suas
fraquezas - a necessidade manda. Essa catarse acaba por maltratar sua
pobre capacidade de expressar-se, ele tem que te machucar pra se vingar.
No fundo, o manipulador sabe que é mais descontrolado e se encontra em
posição de desvantagem. Precisa virar o jogo fazendo malabarismo com os
pensamentos moralmente repulsivos que normalmente habitam a nossa
consciência. Para abalar a ética daquele que não sabe se preservar e não
consegue se amar o suficiente, senão as dúvidas não se voltariam contra
ele como o punhal de Brutus. O objetivo do manipulador é desmontar essa
cadeia de sentimentos que atira pra tudo quanto é lado.
Um duelo ao pôr-do-sol entre o puro e o cerebral.