Quando garoto, nem bem a professora termina de dar a matéria e o
restante dos alunos ainda nem assimilou, o geninho já deseja
virar a página para o próximo capítulo. Tamanho escárnio sobre a
inteligência gera um descompasso com o universo emocional,
normalmente despreparado para o uso desenfreado do raciocínio
que não tem limites. A mente brilhante consegue amealhar um
respeito e uma deferência especial, com direito a se vangloriar,
graças a uma máscara de fodão que detecta burrice por onde anda,
já que currículo é tudo o que ele tem. Mas não há nada por
detrás de tanta presunção senão a fraqueza que não pode revelar.
Detesta que entrem na sua intimidade e ponham à mostra seus
inconfessáveis segredos. O que o ser humano mais esconde é a
real identidade com o seu sexo e a capacidade de amar que daí
decorre. Ao se defender, apela para a vergonha súbita, com medo
de que extirpem dele o que tem de mais sagrado na sua
sensibilidade. O que poderá deixar cicatrizes para a vida toda.
Tanto que endurece com freqüência e não vê defeito nisso, porque
agir de outra forma seria exibir uma flexibilidade emocional que
lhe custaria caro.
O QI de 150 pouca serventia tem se o aparato emocional não
sustenta a imagem de inteligência ambulante que deseja vender
para os outros. Medir a inteligência pelo QI não mais prepondera
de forma absoluta, pois o que interessa hoje em dia é o QE -
quociente emocional -, impossível de ser medido. De tão
mal-usado o arsenal de emoções, o geninho destrambelha, atira
para tudo quanto é lado e torna-se insuportavelmente
pretensioso. Boicota a intuição - pra que se já está tudo na
cabeça? - e anula a capacidade de conviver com os outros. Não
interage com quem não consegue acompanhá-lo. O fascista se
considera acima da burrice generalizada e lança à vala
comum os menos dotados. Já domina a arte de manipular para seus
questionáveis fins e se projetar acima dos homens de boa
vontade. Quem é que vai ser contra, se pode estar nascendo uma
estrela? A brilhar no firmamento de um mundo cada vez mais
carente de talentos.
Muito embora um relacionamento frutífero necessite de boa
amizade e erotismo inabalável, o QI de 150 não admite que seu
emocional o emburrece. Faz uso descarado e maquiavélico da
inteligência para compensar imperfeições que assumem uma
proporção descomunal a demonstrar que sua cabeça não suporta ter
nascido portando um ou mais itens da seguinte lista: tampinha ou
girafa, balofo ou raquítico, mauricinho ou pitboy, escravinho ou
escroto, zé-moleza ou bicho-carpinteiro, peidorrento, zarolho,
quatro-olhos, bocão, melequento, dentuço, narigão, espinhento,
dumbo, gaguinho, ou sangue mestiço.
A deficiências que a Natureza nos impõe, julga merecer uma
reação desproporcional para mascarar o preconceito que fecunda
na não-aceitação de si mesmo. A inteligência não é instrumental
suficiente para o “só o amor constrói”. Se não tem experiência,
falta substância, a aparência deve falar por si, onde
transbordam energia e juventude. Uma ligeira comparação com
outros basta para querer lançar um olhar que rache o espelho.
Paira sempre no ar uma crítica a um aspecto ou pormenor seu. Não
há como evitar. Originando a blasfêmia, o murro na mesa e o
inconformismo que o emudece.