TRAÍDO
26 de Março de 2007
Homens abandonados que têm baixa
tolerância à frustração reagem de forma desproporcional a qualquer sinal
de independência da mulher. São vítimas do orgulho e precisam aprender a
saber perder, senão o amor vira desejo de matar e a mulher marcada para
morrer. Neles persiste a negação, ou seja, sentem os sintomas, mas não
procuram um médico ou demoram a buscar atendimento, para evitar entrar
em contato com um mal maior.
Reclamam de uma época em que se descarta sem pudor. Dos laços
frouxos que estabelecemos. Um elevado número de parceiros que querem
ficar com ela, o pesadelo do tamanho do King Kong. Ainda não apagaram da
mente o tempo em que o sexo era tabu, pois no seu DNA está gravada a
libertinagem de que privavam os ancestrais em bacanais - a transgressão
preferida. Vadia, piranhão do rock, pensam, mas não falam, quando ela
exerce seu direito de opção ou procura o prazer como bem lhe aprouver.
Cultivam um receio de ver comprometida a atração pelas mulheres de tão
ressabiados que vão ficando. Se consideram ameaçados por não se acharem
um homem à altura do porte dessa fêmea vitaminada, mesmo que ela exagere
e não seja tudo aquilo que se imagina. Não consegue distinguir e puxa o
freio de mão.
Vira um paranóico. O que será que andam
comentando a respeito dele? Uns sorriem fazendo pouco, outros o tomam
como perdido. Se depender do paranóico, o mais fácil seria seguir
vivendo sem maiores profundidades e tentar dar certo com o que
aprendemos com nossos pais para tornar o relacionamento tudo de bom. E
sair cantando que amanhã é outro dia.
Mas não se pode assoviar e chupar cana. São
parasitas que não conseguem disfarçar, com sua acomodação estóica, a
insatisfação crescente com a mulher que não vacila e não mais o consulta
sobre seus próximos passos, confundindo-a com uma castradora que veta e
expulsa. Sofre o abalo na vontade de comer, repercutindo na imagem de
macho que preza. Quando vê seus privilégios se desvanecerem. Os efeitos
do solfejo dos floreios românticos não fazem mais os olhinhos dela
brilharem. Oferecer juntar os trapos, prometer dormir agarradinhos e
declarar-se apaixonado não convence mais. Para quem não hesita em lançar
carga ao mar.
Ata-me! Ao contrário do filme de Almodóvar, agora é o algoz que
se sente manietado em exercer sua masculinidade e introduz em si o medo
de ser preterido, em virtude da cultura atual cobrar dos parceiros a
garantia do prazer. Mas continua a negar como Pedro ante Cristo:
Já nasceram culpados pelo que fizeram em outras vidas e não
mais se lembram. Torturam-se com os segredos contidos nos suspiros de
desencantamento que nenhuma convivência pode esconder. Requer-se muito
equilíbrio para se manter centrado numa relação. Estamos sujeitos a
bombardeamento diário diante de tantas incertezas nominadas de
tentações. É um tabu falar abertamente sobre o que o amor se sustenta, a
libertação da mulher abriu um horizonte cujo sol ainda nos cega!
O desequilíbrio surge quando um dos dois dá um passo à frente e
esboça transformações que demoverão a relação do lugar em que se
encontra, enquanto o outro se apega à paixão assumida e estaciona
expondo carências. A traição ronda como um pecado, mas pode oscilar para
uma necessidade. A transgressão contra a intransigência, quando o pacto
implicava em ambos se mexerem para não trair o maior dos sonhos. Basta
pôr o olho num microscópio para examinar que só há vida onde existe
movimento.
Como as expectativas não estão sendo correspondidas, o traidor
acaba por expor segredos de sua intimidade em seu percurso de
redescobrir amor dentro de si, machucando o traído, que se sente
trocado, substituído, rejeitado. Qualquer traição é perceptível
imediatamente, só não vê quem não quer.
Subjacente para o traído é a infidelidade, quando procura
manter o compromisso a qualquer preço e resiste entrincheirado num
casamento que se tornou unicamente tradição, apesar de paulatinamente
haver destruído a fantasia que animava o sonho de transformar a rebeldia
de uma paixão num amor em paz. Ao ter encontrado a razão de viver, amou
muito mais do que devia amar e o amor quando se desfaz, deixa de ser a
coisa mais linda, cheia de graça.
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