JOÃO NINGUÉM
18 de Junho de 2007
João Ninguém pede licença
para existir. Nunca se expõe ao perigo. Inimigos,
nem pensar. Opinião, se as tem, não mostra a cara.
Apenas transmite suas idéias por e-mail, de roldão,
entranhadas em pensamentos de outrem. Não tem ideal
na vida, no máximo um boêmio ilibado. Se for
abandonado pela esposa, tanto melhor. Se considerar
traído, fora de cogitação, há sempre um ombro para
se debruçar e chorar que nem um bezerro desmamado.
Zoar no seu ouvido não surte efeito, tamanha a
quantidade de cera que se acumula. Não se concentra
em nada que diga respeito a seu trabalho, antenado
no que gira ao redor de sua imaginação.
Sempre com a cabeça
longe, está mais perto do que se imagina, pensando
em um amor sincero que, de antemão, sabe que não
encontrará. Aiii! Bateu na testa. Se tivesse
autonomia, gritaria, mas já nasceu escravizado, o
pobre do coração. Só com uma nova abolição pra
trazer de volta o vigor de um escravo que se rebela,
e poder dizer que isso eu não quero pra mim.
Não é que o mundo o
condene, mas faz pouco caso de quem lhe falte um
destino para inspirar um romance. Sua imagem sem sal
não colore a mente, o molho não é de dar água na
boca. João Ninguém sequer inspira pena, ao
contrário, ignoram se passa fome ou se tem sede de
amor.
A filosofia, ainda que de
botequim, o acode na fraqueza e se transforma na
muleta que o sustentará no fingir-se indiferente,
aparentando que é um bon-vivant, até como
meio de defesa para ninguém zombar de sua figura um
tanto ou quanto enigmática. Já se perdeu de si mesmo
e procura em vão sua alma.
Para que se meter numa
parada que pode acabar num toque de silêncio? É
melhor não se achar nos meandros da burocracia do
que se propor a encontrar no labirinto uma saída.
Tem a sensação nítida de que saiu de moda e fechou
as portas.
É nesta hora que João
Ninguém goza uma felicidade mórbida pra cima dos que
ostentam luxo e vaidade. Não sacam a armadilha de
que são presas fáceis de uma vida ilusória, enquanto
João Ninguém é apenas um escravo de seu ser e não se
incomoda com que digam que a sociedade é sua
inimiga:
- Quanto a você da
aristocracia, que tem dinheiro, mas não compra
alegria, hás de viver eternamente sendo escrava
dessa gente, que cultiva hipocrisia.
João Ninguém é um bom
samaritano, incapaz de tirar a vida de insetos,
principalmente se for ratazana, em se tratando de
amigos que vestem uma couraça para virar inimigos. E
lá está ele para juntar os cacos de coisas que vão e
vêm, a botar os outros pra cima, sorrindo, a levar a
vida, realçando a arte no burburinho de gente
esperançosa em meio a débeis mentais, cuja única
função é atestar que João Ninguém nunca existiu. Por
ser ninguém, provavelmente um sonho que logo
desaparece ao despertarmos.