NEM SEMPRE SE DIZ
TUDO
Série
Desconstruindo o Homem
27
de Agosto de 2007
Nem sempre se diz tudo
para não romper a relação, ou melhor, para mantê-la.
Não estamos preparados para lidar com nossos
próprios sentimentos exclusivistas e emoções à beira
de um ataque de nervos. Sobretudo, exigimos do
próximo que preencha nossos espaços vazios e reanime
depressões, em contradição com o mundo egoísta e
individualista que globalizamos, onde se sacrificar
pela relação virou pejorativo. Não somos
estruturados para pisar em falso e arcar com o ônus
de suportar a verdade de que nos encontramos a uma
distância galáctica do equilíbrio em aceitar nossas
limitações, fraquezas, desejos não atendidos,
arrogância falida e medo de ir pro final da fila.
Não fomos treinados para conversar tintim por tintim
sobre furos, percalços e anomalias que apoquentam o
nosso eu e que transferimos para o relacionamento.
Como abrir a boca sem pensar.
Vai que você abre a boca
e a casa cai. Sai você escrita e escarrada para o
namorado se perguntar onde foi que ele amarrou a
égua. Ou não sai nada dessa cachola tamanha a
paralisação. Ou faz que nem o avestruz, para não
desmoronar a fantasia de que o outro é tudo para
você. E se desmanchar o modelo romântico e
idealizado em que você o encerrou e preservou para
não se descobrir hipócrita? E se ela for uma lady
que o faz se sentir um pavão? Se ela for um muro de
arrimo para evitar que você despenque ladeira abaixo
e saia em busca de torrões onde se lambuze de amor?
E se não der mais para viver ao lado de quem você
ainda ama? Ou, se desligada a tomada no desejo
sexual, mantiver a relação por companheirismo, já
que ainda vale a pena?
O sexo no casamento se
perde por conta dos excessos da vida em família, de
discernir onde investir de como gastar e da cobrança
que se agrava em razão da dependência emocional.
Muita matemática financeira. Não vai ser uma longa
explicação que irá dizer mais do que uma troca de
olhares.
A extrema mobilidade das
mulheres, desde que largaram maridos ultrapassados
que não a realizavam e soltavam disparates contra a
gênese feminina, venceu preconceitos e descréditos
machistas. O casamento deixou de ser sacralizado e
virou um fórum de discussões onde a verbalização é a
tônica para a relação ser politicamente correta.
Surgiu a necessidade de um diálogo permanente numa
tentativa de conciliar o tesão com porções generosas
de entendimento e admiração, de modo que falem a
mesma linguagem.
No entanto, por mais que
se tente, a insatisfação corrói os casais. Quase
nunca reconhecem os próprios equívocos ou o
verdadeiro valor do companheiro. O fato é que nem
sempre se diz tudo. Possuir o dom da palavra não
basta, nem sempre se pode dizer tudo. Mas há que se
preservar a integridade, mesmo que alquebrada ou
viciada pela ação do tempo, para não ser diminuída
pelo contendor que silaba ainda que te ama, confuso
no medo de te deixar escapar. Isso impede você de se
abrir inteiramente.
Nem sempre se diz tudo,
inclusive porque ele pode lhe perguntar o que quis
dizer com aquilo tudo. Se está brincando em cima de
palavras que arranham a razão de sua sensibilidade.
Liquida com a poesia da afeição que errou de caminho
e suprime o campo de ação do erotismo, isolando-o
num campo de concentração para não ser confundido
com amor.
Pode ser um sinal de
sabedoria “nem sempre se dizer tudo”.