MORRERAM ANTES DO TEMPO
14 de Agosto de 2006
O olhar bucólico de Che Guevara quando
morreu em 1968 atesta sua resignação quanto ao seu destino de morrer em
nome de uma causa, tornando-se o símbolo de valores que faltam na
sociedade atual: idealismo e honestidade de propósitos. Não lhe faltou
coragem para pôr em prática o enfrentamento do maior problema que assola
o planeta: a luta de classes, que aparta um ser humano do outro. Berço
esplêndido versus buraco de onde saiu. O olhar sereno de Che não reflete
amargura com a auto-imolação por um mundo melhor. Lembra um mártir
sacrificado. Com a cabeça posta a prêmio, Che sabia que iria ser
assassinado pela CIA por semear comunismo mundo afora. Para que se
manter são e salvo atrás da Cortina de Ferro? Entre espraiar o comunismo
miséria africana adentro, preferiu a Bolívia - o antro mais reacionário
e atrasado do que se convencionou chamar América Latrina. A fortaleza
interna de Che se desmancha quando depõe as armas e ingressa no plano
espiritual.
Famosa por sua versão de “Summertime”, Janis Joplin
consagrou-se pela voz rouca e performance sensual, cantando blues como
nenhuma cantora branca até então. A rapidez com que alcançou o estrelato
a obrigou a viver uma outra persona, o que a deixou numa terra de
ninguém, precisando beber muito para escapar de si mesma. Ao desespero
de ser vista como uma pérola do showbiz e não como ela era, fechou os
olhos para o mundo e preferiu examinar sua própria consciência refletida
nos seus óculos escuros. Não agüentou e foi encontrada morta num quarto
de hotel, devido a uma overdose de heroína.
Apesar do pouco que viveu, Cazuza deixou uma
obra para ficar. Personificou como ninguém o trinômio sexo, drogas e
rock’n’roll. Com “Bete Balanço” e “Maior Abandonado”, Cazuza chegou ao
grande público e foi ganhando fama de poeta do rock brasileiro. Suas
atitudes irreverentes e declarações espalhafatosas fizeram com que
aparecesse cada vez mais como artista e personalidade. A confirmação da
presença do vírus da Aids iria transformar sua vida e carreira.
Exagerado, emblemático da sua persona. O nosso amor a gente inventa. O
meu prazer agora é risco de vida. Faz parte do meu show. Vida, louca
vida. O tempo não pára. Brasil, mostra a tua cara.
Glauber Rocha, pai do Cinema Novo, era considerado pelos
militares um dos principais ativistas contra o governo depois do golpe
de 1964. Mantido sob vigilância pelos órgãos de informação do regime,
sua movimentação era monitorada até no exterior. Que dor ver sua obra
censurada no Brasil depois de receber o prêmio de melhor direção no
Festival de Cannes pelo filme “O Dragão da Maldade Contra o Santo
Guerreiro”! O exílio foi corroendo sua alma libertária e o subversivo se
tornou inofensivo quando chamou o general Golbery - guru da ditadura -
de “gênio da raça”. Glauber estava vencido, entregara os pontos - que
pena, condoeu-se a esquerda. Só voltou ao país às vésperas de morrer. Ao
se aproximar do regime que combateu e pelo qual foi perseguido, Glauber
caiu no descrédito consigo mesmo.
Seres humanos que abreviaram sua passagem pela Terra.