O SILÊNCIO DE DEUS
28 de Agosto de 2006
“Por que o Senhor permaneceu em
silêncio?”, perguntou a si mesmo o papa Bento XVI quando visitou o campo
de concentração de Auschwitz, onde 1,5 milhão de judeus foram
assassinadas. Particularmente para um papa alemão, é quase impossível
definir esse lugar de horror:
- No fim de tudo, resta apenas um silêncio aterrador, um
silêncio que é um pranto sofrido a Deus. Como pôde tolerar isso? Onde
estava Deus naqueles dias? Por que não se manifestou? Como pôde permitir
essa matança sem limites, esse triunfo do mal?
Até mesmo o papa tem dias em que descrê de Deus - um nonsense
absoluto do tamanho do Todo-Poderoso. Desceu do papamóvel e cruzou o
portal do campo com o dístico em alemão “o trabalho liberta”. Voltou ao
passado como Joseph Ratzinger, membro da organização da Juventude de
Hitler:
Uma monstruosidade em que homens, mulheres e crianças foram
destituídos de sua humanidade e dizimados com métodos industriais. Um
paradoxo entre a onipotência de um Deus bondoso e a existência de
maldades e perversões que ultrapassam, na sua amplitude, a mera expiação
de pecados e carmas. Males morais que decorreram de uma criação que não
pode ser perfeita, apesar de vinda de Deus, justamente para os homens
exercerem seu livre-arbítrio e auto-regularem o divino que os habita. A
criação do mundo, até onde o conhecimento humano alcança, não pode ser
um mero acaso, tamanho o lendário que cerca o percurso de cada ser
humano em sua evolução. Mesmo quando é interrompido pela estupidez da
guerra.
Como então explicar o desaparecimento de tantos heróis, covardes,
kamikazes e patriotas? Por que tirar de nosso convívio seres brilhantes
e insubstituíveis, ó destino cruel? Somente um Deus muito do grande para
nos inteirar a respeito do desenlace desses personagens. Pior é pra quem
fica, não cabe descanso se você tem que fazer sua parte, uma missão da
qual você precisa dar conta para depois não vir com desculpa esfarrapada
dissimulando sua omissão. Lamentando ter passado a vida em branco, por
não haver dado um passo firme e crer. Em meio às balas perdidas, à
inveja que gera violência e ao amor que não encaixa mais personalidades
tão díspares.
Como aceitar o passado sem culpa? Pois se nos conflitos cotidianos não
conseguimos evitar o bate-boca desnecessário, a implicância intermitente
e os abruptos rompimentos seguidos de chá de sumiço que equivalem a
declaração de ódio para sempre. Preferindo povoar o coração com
frustrações e mágoas do sucesso e felicidade do próximo. Como apagar os
rastros de nossas pegadas sem poder dizer que eu não era aquela pessoa
que aprontei e fiz mal às helenas até então puras e imaculadas? Tentando
se despedir de uma identidade da qual não tinha consciência para ganhar
um novo espírito.
Somos partes de um todo onde todos também são partes de todos maiores,
em que o significado da existência de cada um se amplia se considerado
em relação à sua totalidade, donde aí se encaixam, na justeza de um
sapato velho - o Universo.