O AGNÓSTICO
16 de Outubro de 2006
O misticismo se renova a cada cinco
minutos, o Cosmos obriga. Os livros de auto-ajuda se multiplicam. Os
anjos nunca foram tão solicitados. A física virou metafísica. O médico
virou pai-de-santo, pois não agüentou a precisão cirúrgica da medicina.
Psicanálise reichiana, acupuntura, meditação, shiatsu, reiki, tai chi
chuan, tarô, astrologia, cabala, quirologia, cromoterapia, i-ching,
runas e outros, integram a bíblia do admirável mundo novo espiritual.
Salutar e abençoada a atitude de querer mudar, garante quem já
sentiu o gosto da evolução. Ruíram as convicções de orgulhosos
agnósticos que pretendiam abalar os alicerces da sociedade, embora ainda
façam questão de exigir os mesmos princípios democráticos fundados em
valores burgueses que execravam, no afã de expressar sua opinião e
tentar explicar o porquê de mudarem tanto. Sem, no entanto, convencer
nem mostrar sinais de arrependimento. Afinal de contas, não é mais
preciso dar o braço a torcer, a autocrítica acabou.
O agnóstico cultiva um pavor pela morte porque,
apesar de ter certeza de que não existe vida após a morte; na verdade,
não tem certeza. Como se defrontar com aquilo que não pode vencer? Como
enfrentar aquilo no qual não acredita? Não importa o diabo de forma
assumida, seja o Juízo Final, Deus, espíritos, assombração. Até o Nada
assusta. E se gosta tanto da vida, é outro motivo para não morrer. Vale
a pena ser eterno. Ainda mais que desenvolveu notavelmente sua
inteligência, adquiriu mil e um conhecimentos, foi heróico, colecionou
amores, passou adiante sua sabedoria. Seria injusto interromper uma
existência tão brilhante.
Por vezes, o agnóstico chega a se comportar como uma criança,
exigindo explicações detalhadas sobre como a física e a química atuam
para operar a mecânica da vida. Transforma a realidade em mulher-objeto
de seu raciocínio. Seu umbigo não consegue enxergar as pessoas, apenas o
papel que elas desempenham perante Ele. A bagagem literária pesa mais
que a sabedoria intuitiva. Não acredita que exista vida inteligente além
do império dos sentidos e do intelecto, embora reconheça que, ao
morrermos, não faz sentido apagar a memória, identificação do Seu
fecundo passado.
O agnóstico duvida da felicidade. Ridiculariza a urgência em
querer ser feliz num planeta contaminado pela miserabilidade. Entediado,
torce o nariz para o que não é genial. Ídolos, de preferência, os já
falecidos. Segrega o indivíduo intuitivo e de consciência religiosa.
Música em igreja é para fazer a cabeça, hipnotizar a platéia. Exalta a
beleza da arquitetura de capelas e templos, se omitindo quanto ao seu
interior que convida a uma reflexão sobre si mesmo. Imagina que seja um
SOS velado. Porque descrê de tudo. “Não preciso de muletas”, afirma, até
algo de grave lhe ocorrer.
É abrindo o coração que a espiritualidade se inicia, com um
senso de gratidão por estar vivo, pela dádiva de pertencer a este
universo, cujo ritual é celebrar o ato de dar e receber de todo o santo
dia. É preciso abrir espaço para desvelar o verdadeiro significado da
religiosidade, sempre associado ao cumprimento escrupuloso dos deveres
litúrgicos, os papa-missas acima de qualquer suspeita. E se entregar ao
supremo pertencer, perceptível nos picos de fé.
Humildade, artigo raro na despensa do agnóstico. De uma
teimosia crônica que não conjuga com o seu belo raciocínio que, por
vezes, merece aplausos. De que adianta, se implausível for a filosofia e
faltar-lhe visão?