PONTO DE PARTIDA
15 de Janeiro de 2007
Quem habitualmente reclama e desfia
lamúrias à custa de outrem, atrai o derrotismo, companheiro fiel e
presente em todos os momentos. Esperar que os outros entendam o que você
pretende ser na vida, colocando-se no centro do mundo, é exigência tola
e infantil. As pessoas só irão notar que você existe quando procurar
tornar concretas suas idéias. E idéias, inevitavelmente, seduzem esses
deliciosos e incautos ingênuos que teimam em acreditar nos sonhos. Ou
aborrecem os seres imersos em responsabilidades e deveres, que não têm
tempo a perder com essas bobagens.
O que importa é seu espírito ter paz e conforto para gozar de
boa saúde. A querer construir. Com vontade, força e fé. Pleno de
criatividade e prazer. Caso contrário, a doença se instala muito antes
do que a auto-suficiência e a petulância do homem permitam admitir.
O que não elimina a hipótese de, ao estar se
deliciando sob a sombra de um coqueiro, com o vento a embalar os seus
devaneios, repentinamente irromper uma dor que vai despertá-lo para uma
realidade adormecida, da qual não tinha conhecimento, cuja finalidade
seria demovê-lo do confortável coma na cama em que repousa, hibernado,
para reiniciar a subir mais uns degraus dessa escada sem fim.
Que agonia descobrir onde começam e terminam os novos
obstáculos postos no circuito e qual o seu significado! De nada adianta
se exilar no Alasca ou na Finlândia se a família não arreda o pé das
lembranças. Se a alma trôpega, indefesa e carente passar incólume é
porque diminuiu a dor e evitou os males que, em verdade, consagram a
vital inquietação deste planeta.
Por que nos encontramos combalidos, afetados pela brutalidade
do real, detestando no que nos transformamos? A ponto de baquear e não
mais lutar por algo que poderia redundar em sofrimento mas, por outro
lado, no nascedouro de inúmeras razões para voltar a ser feliz. A
insegurança é a tônica do mundo tecnológico de hoje, assumindo mil faces
que nos aterrorizam e nos convertem em hipocondríacos à espreita de um
mal fatal onipresente na sociedade.
Quem se põe a perder se condena ao abandono.
Neste exato momento é que dá vontade de transcender,
despregar-se da matéria e libertar-se das amarras do estado de enfermo,
ressentido com o trabalho duro necessário para sair do buraco em que nos
metemos.
Para libertar-se desse condicionamento imposto pela sociedade,
o homem tem que se transformar num viajante. A saltar de barco em barco,
muito antes que comece a fazer água, até se encontrar, quando se liberta
de sua alma anterior, inútil e pesada.
Não há mais como protelar. O cerco se estreita. Não há como
apelar para a falta de coragem, após tantos altos e baixos. Se não
ousar, restringe-se a capacidade de ser feliz. Ponto de partida para
aceitar as perdas e não se revoltar contra o destino pelo que lhe
reservou, em contraste insuportável com o idealizado.
Existe em cada um de nós um embrião de poder latente, uma
condição microcósmica de uma espiritualidade maior que aguarda o momento
de vir à tona para conquistar um terreno que clama por avanços antes que
a terra o trague. O tempo de amadurecer e de se propagar deve chegar no
momento oportuno, senão vêem, sondam, ouvem e não compreendem; se vivaz
a luz, ofusca. Tudo que está oculto, um dia será descoberto, no tempo
necessário de lhes preparar a aceitação.