O EREMITA
30 de Abril de 2007
Para perceber que está entrando no paraíso
dos eremitas, você tem que entrar no mundo da lua. O eremita se
transforma em eremita quando não quer mais ser reconhecido, quer que o
esqueçam e não se lembrem mais de seu nome. Mesmo porque, se começar a
divulgar o nome dos que descobrem edens, eles acabam virando ídolos a
serem reverenciados por ecologistas e individualistas de plantão.
O eremita desistiu de ficar frente a frente com
Deus e descobrir, de uma vez por todas, o sentido de tanta existência e
sofrimento. Prefere estar consigo, mesmo que se deteste. Muitos deles
são egressos do fascínio pela busca desenfreada de avanços tecnológicos.
Se considera o rei de um reinado sem plebeus na
medida em que não enxerga ninguém à sua frente. Vai de encontro à
natureza das coisas para fugir da sociedade, do contato com os outros,
da imensa falsidade que permeia as relações humanas. Pra falar a
verdade, não tolerava o próximo. Era prisioneiro de si mesmo, a fiel
imagem do fim de alguns que se julgam mais do que os outros. Custara-lhe
muito aprender a viver sozinho - sem companhia - e pretendeu demarcar
seu território.
CO que preocupa na tormenta é quando ela não dá
indícios de parar, de tal rapidez que impede o raciocínio, dificultando
a fuga a tempo, empurrando-nos para o que mais tememos: ficar cercado.
Não há mais espaço nesse planeta para se viver isolado e distante do que
nos deixa neuróticos e tensos.
Ninguém espera ser atraiçoado pela vida. Tolice,
a vida não aceita pacto algum, pois disfarçamos mecanismos de coerção ou
tentativas sutis em querer dominá-la. A vida é por vezes cruel e acaba
por modificar a essência à sua revelia ao perder a paciência.
O eremita devaneia sempre de olhos abertos,
imerso no silêncio da solidão, procurando aproximar o bruxulear da vela
a sombrios recantos da alma humana, encorajando os despossuídos e
carentes de significado. Nos leva a navegar na fantasia de não mais
pensar no que ficou para trás, horas a fio entretido com o imediato do
presente. Encaixado em uma época de busca universal sem paralelo, em que
o convencional das religiões perdeu substância e a célula familiar
desintegrou-se.
O eremita não precisa de lar, é uma pálida
lembrança do passado, está pronto para renunciar à vida. O que causa
medo. Desmotivado em reacender sua própria centelha, não espera solução
mágica que venha dos céus. Sem a menor clareza de espírito, expõe as
vísceras de sua falta de coragem moral, revelando o que acabrunha e
desconsola em seu trajeto. A sangue-frio. A olho nu.
O eremita se desinteressou de sua própria luz interior, que
guarda dentro de si um tesouro que ignorou ou deixou escapar. O leve
sopro de respiração faz tremelicar a chama dessa luz, a sinalizar que o
Espírito vive dentro de nós. Sopra onde quer, escuteis sua voz, embora
não sabeis de onde venha nem para onde vai. É de ti, apenas de ti, que a
espiritualidade ressurge, recria e prova que existe algo dentro desse
corpo.
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