A CRÔNICA DE NOSSA
PRÓPRIA HISTÓRIA
30 de
Julho de 2007
Ninguém pode alcançar o
âmago de seu espírito. Não espere por isso, volte-se
para si e investigue se as raízes se emaranham ou se
estendem até o ponto mais profundo do seu coração.
Pergunte a si mesmo, na hora mais silenciosa da
madrugada, se morreria ao ser proibido de escrever
crônicas. Apenas a título de exemplo.
Desenterre uma resposta
que valha a pena, mesmo que esteja numa prisão. Para
o Criador, não existe nenhum ambiente a ser
desconsiderado, ou que, isolada sua voz, sua alma
emudeça. Há um tesouro de recordações, considerandos
e mumunhas por explorar. Posto a caminho, sua
solidão tornar-se-á um refúgio à meia-luz e sua
personalidade encorpará, como um vinho que desce
redondo, feliz por estar sendo apreciado.
E se, dessa viagem para
dentro de si, resultarem crônicas de sua vida que
espelhem o estado crônico do homem que sofre com a
evolução da mulher, justamente porque não consegue
acompanhá-la, aí você se detém. Na crônica
expectativa em despertar o interesse de paquidermes
movidos à luxúria do poder de comunicação e dos atos
corruptos que a sociedade perpetra.
Quando não deve parar,
por surgir de uma necessidade, como um médico que
nasce para verter a cura em otimismo. É a voz de sua
vida, exigindo que os estertores crônicos parem de
impedir que o sonho se torne realidade, justamente
por não aceitá-la tal como é, sem interpretá-la. Sem
necessidade de explicá-la, pois o criador tem um
mundo para si mesmo, lá encontrando a natureza das
coisas, tamanha a aproximação que o exame da
consciência possibilita.
Não há nada pior do que
atrapalhar esse desenvolvimento ao debruçar seu
olhar em algo além do horizonte e esperar que venha
de fora uma orientação, quiçá o caminho das pedras
para satisfazer seu foro íntimo. Sem se dar conta de
que o espírito livre arbitra na mais completa
solidão das conseqüências de seus atos.
A saída para esses
crônicos momentos é a ironia. Se usada com
criatividade, alivia a culpa no emprego abusivo da
malícia. Também não é preciso se envergonhar, basta
saber que a ironia disfarça a pureza d’alma para não
chegar em águas mais profundas. Mas se perceber um
brilho incomum no alto do morro, a ponto de
desviá-lo de sua rota, é porque corresponde a uma
necessidade de seu ser. A ironia aí ganhará seu
crédito, por lhe pertencer, ser algo inato. Munido
de arco e flecha, irá lançar crônicas versando a
arte da vida que, de tão cruel, a prosa se tornará
crônica.
Tudo reside em deixar
amadurecer, para dar à luz ao que existe de mais
sagrado em você, resguardando seu amor-próprio de
víboras que arquitetam seu destino crônico. Através
de impressões crônicas, semeie um campo fértil na
escuridão do inconsciente e atinja a razão por
acreditar sempre no que tem a dizer, pois é fruto da
evolução natural de seu espírito que o levará a
outros conhecimentos. Até para corrigir erros
crônicos, como o do jornalista que se escuda no
desabafo pessoal e choroso que só interessa às
galinhas do vizinho. Como o de dar muita importância
a reparos inconvenientes, observações descabidas,
críticas extemporâneas, análises em gênero, número e
grau com o intuito de anular esse seu criado.
Parcialidades que revelam nos destituídos de caráter
a rigidez precocemente cadavérica, quando não
burilam as palavras para escamotear sua visão
camaleônica a respeito da vítima, mal se apercebendo
do câncer crônico que corrói a sua mente.
A busca se torna crônica,
pois sempre nos deparamos com um ponto inalcançável,
até para o nosso próprio entendimento. O que
desanima. Contudo, não calcule o tempo por
esgotar-se. Basta esperar com humildade e paciência,
como se estivesse diante da eternidade, com a
serenidade aplacando os ânimos da ansiedade. A
inspiração virá, apesar de tudo.
Difícil, já que impulsos
primitivos obrigam-no a jorrar sua energia, sem pé
nem cabeça, em ritmo desproporcional ao padrão zen
de qualidade. Pode transparecer brincar com a
verdade ou com veleidades de bruxo, quando necessita
ficar imerso na crônica da inconsciência que
desabilita o que tem de melhor em suas reservas
morais, até para afastar a inocência e integridade,
a fim de combater o que o homem deformou e
sobrecarregou o amor. Abrindo a possibilidade de
também tornar-se selvagem e enraivecido, porque vem
das entranhas a crônica paixão a que se entrega ao
lutar pelo que acredita. Não pode ser uma mera febre
e deve ecoar como em Paris, onde a inspiração
reverbera no céu habitualmente cinzento.
Uma frustração. Jamais o
homem terá satisfeito a saraivada de dúvidas que
invade seu céu como uma chuva de meteoros.
Tropeçamos nas palavras, ao não conseguirmos
expressá-las com leveza, despidas da dramaticidade
que usualmente acompanha as interrogações. Se ao
menos nutríssemos amor pelas próprias perguntas, uma
bela maneira de se provar que se ama a quem se duvida.
Quanta galanteria, a invocar milhares de noites de
amor esquecidas que se entrelaçam e revivem numa
crônica poesia, com ar de volúpia que lhe água a
boca e desponta como uma lança à procura do óvulo,
receptivo, que o aguarda. Nas profundezas, o
deleite, o segredo da contínua e grandiosa
confirmação, mil vezes repetido o gozo
indescritivelmente belo que renova o mundo.
Ajuda a suportar a dor
visceralmente crônica dos que se distanciaram de ti.
Ao menos aumentou o espaço à sua volta, para que
houvesse seu crescimento, reconheça isso. Bem como
não perturbe quem ficou para trás, poderiam não
entender sua autoconfiança e alegria, se lembrança
da infância ou suculento futuro. Não perca tempo em
explicar qual é o seu posicionamento diante da
crônica dos fatos e das contradições, o aprendizado
é um longo período de exclusão cuja entrega a todo
tipo de comunhão implica em não mais se atirar e
derramar por sobre outros à guisa de amar.
Considere uma doença
crônica o desgoverno e a confusão postos a serviço
de fazê-lo perder o eixo na vida, como um mal
necessário para libertar o espírito de entidades
nocivas ao seu crescimento. Sendo essencial,
portanto, ficar doente e assumir a doença, e o
problema aparecer como uma chance de ouro para
fazermos o que de melhor. Por sermos heróis da nossa
própria história, urge descobrir alguma coisa no
vazio, arregaçando as mangas para realizar o que nos
foi destinado e não passar pela vida em branco. A
imaginação é mais importante que o conhecimento e,
um dia, tudo que está oculto será descoberto, no
tempo necessário de se preparar a aceitação.
O curso natural para
aflorar a quietude, se pacientes e receptivos
formos, quanto mais firmes deixarmos uma nova
realidade entrar em nós e se converter em nosso
destino. Como a Lua, que nos mostra sempre uma face
nova a cada sete dias, e nunca morre.
Como não morreu Nelson
Rodrigues e a “Vida como ela é”, crônica que marcou
época no jornalismo, projetando o Brasil no subúrbio
carioca, e virou teatro, literatura, antropologia e
psicologia de botequim. Cujo espírito sobreviveu,
com maior força do que quando ainda estava
encarnado, enquanto opositores faleceram no
anonimato com formiga na boca ou, como
quinta-coluna, reformulando seu espírito crítico
para se adequar à nova realidade. Eis o destino que
se nos reservam.