O
SILÊNCIO QUE MALTRATA
17 de Dezembro de 2007
Continuam a
descobrir restos mortais de animais pré-históricos,
dinossauros de andares de altura se moviam lentamente na
Patagônia há 80 milhões de anos, em área alagada e
empoçada, com muita vegetação, hoje, um deserto.
Reduziram-lhes
a sua grandeza por força de um meteoro que os extinguira
e mudou a face do planeta Terra, tirando as amarras dos
continentes que se mexeram e se desgarraram uns dos
outros, sobrevindo uma era de inocência e boa
aventurança em que nossos assemelhados, dito ancestrais,
eram uma mistura de humanóide com animal, numa tentativa
de coabitar em regime de primavera perpétua onde não se
precisava lavrar ou colher. A terra produzia todo o
necessário, fluíam leite e vinho nos leitos dos rios e
escorria mel dos carvalhos.
Por essa época,
inexistia a individualidade, não havia a menor condição
de sentir medo pelo que era, você se via através do
outro. Em função da inveja, despeito e vingança
começarem a ameaçar a convivência, foi necessária a
seleção natural para o mal não nos tornar inteiramente
desgraçados, propiciando o surgimento de uma nova raça
cuja missão seria descobrir Deus, onde quer que Ele se
manifestasse.
Houve um corte
salomônico, separando-se os que erguem a cabeça para o
Céu e encontram esperança nas estrelas, dos que têm a
face voltada para baixo, olhando a terra, que, de tão
acabrunhados, involuíram, encolhendo o pensar e apurando
o olfato para sobreviver.
O humano se
concretizou no ser, que ganhou alma e principiou a se
defender através de seu conjunto formado toscamente -
identificado como sua tribo, a partir de então. Ser
temido ou ser submetido era o que em carne e osso
confirmava que nós passamos a existir.
Demorou um
bocado para a sapiência dos gregos aterrissar e
valorizar o homem como centro do universo, o
conhecimento extraído da razão, tendo como paradigma os
heróis, descendentes dos deuses, que tinham
características humanas e filhos com os mortais. A
tendência ao idealismo em busca da perfeição, com ênfase
na vida, em oposição à visão de mundo dos egípcios,
vinculados à idéia da morte, em busca do eterno através
do espírito.
Dois mil anos
depois, a Terra era redonda e girava no processo
civilizatório que poscedeu o confisco das terras dos
nativos pelo descobridor invasor e engoliu reis e czares
que colonizaram, escravizaram e espoliaram, no rumo de
organizar a sociedade de modo a todos serem ouvidos.
Eis que surge a
solidão, por conta do silêncio que atinge, maltrata e
fere porque insinua a indiferença que faz crescer a cara
de desprezo que açoita os inúmeros
calcanhares-de-aquiles que colecionamos para ensinar
cuidado com o andor que o santo é de barro. São santos
de pau oco que despem um santo para cobrir outro no
maior silêncio. Quando precisamos achar alguém com quem
conversar, um par em que comiche a curiosidade de saber
o que se passa na sua imaginação e o que rola de verdade
na minha.
Por mais que
você mantenha seu silêncio e, em conseqüência, desenhe
um círculo de giz que eu não posso ultrapassar, é
impossível dissociar-nos, tornarmo-nos estranhos, pois
falar-nos-emos em outro plano um dia. Apenas prejudica o
transcurso da viagem espiritual, quando devemos buscar
uma vida com significado. Com chance, acharemos algo que
nos acende por dentro, que aquece nosso coração. O
fundamental é a experiência de que a vida é muito mais
rica do que o desenrolar do cotidiano atribulado entre
necessidades e afazeres. Se você perdeu a noção do
absurdo quanto mais olha este mundo e a própria
humanidade, é porque ainda não fez o que pensa ter
feito, não é um cara para ser levado a sério, como
apregoa sê-lo, perseguido pela má sorte e maquinações de
gente malvada, como acredita que seja. As más línguas
diriam que saiu do sério porque não consegue mais ser
totalmente sério, embora se magoe e rompa as relações
com quem tiver a audácia de revelar que deixou de ser
verdadeiro. Vai entender que não age mais com honradez e
perdeu seu valor. Pelo singelo motivo de que não é mais
feliz.
Nessa hora, o corpo tirita de frio e de medo de tanto
querer, de poder voltar ao convívio dos seus, mas não
acha mais ninguém. Ou se domina o próprio destino ou é o
destino que o domina. Ou se imola em paixões fugidias ou
foge como o diabo da cruz e volta a si. Ou se concentra
em matéria de amor ou fica sem saber o que amar. Ou se
assume os riscos do seu destino, a base do que vier a
empreender, ou não se distingue dos outros. Ou silencia
de vez e mergulha no silêncio dos inocentes. |