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NEM SEMPRE SE DIZ TUDO

Nem sempre se diz tudo para não romper a relação, ou melhor, para mantê-la. Não estamos preparados para lidar com nossos próprios sentimentos exclusivistas e emoções à beira de um ataque de nervos. Sobretudo, exigimos do próximo que preencha nossos espaços vazios e reanime depressões, em contradição com o mundo egoísta e individualista que globalizamos, onde se sacrificar pela relação virou pejorativo. Não somos estruturados para pisar em falso e arcar com o ônus de suportar a verdade de que nos encontramos a uma distância galáctica do equilíbrio em aceitar nossas limitações, fraquezas, desejos não atendidos, arrogância falida e medo de ir pro final da fila. Não fomos treinados para conversar tintim por tintim sobre furos, percalços e anomalias que apoquentam o nosso eu e que transferimos para o relacionamento. Como abrir a boca sem pensar.
Vai que você abre a boca e a casa cai. Sai você escrita e escarrada para o namorado se perguntar onde foi que ele amarrou a égua. Ou não sai nada dessa cachola tamanha a paralisação. Ou faz que nem o avestruz, para não desmoronar a fantasia de que o outro é tudo para você. E se desmanchar o modelo romântico e idealizado em que você o encerrou e preservou para não se descobrir hipócrita? E se ela for uma lady que o faz se sentir um pavão? Se ela for um muro de arrimo para evitar que você despenque ladeira abaixo e saia em busca de torrões onde se lambuze de amor? E se não der mais para viver ao lado de quem você ainda ama? Ou, se desligada a tomada no desejo sexual, mantiver a relação por companheirismo, já que ainda vale a pena?
O sexo no casamento se perde por conta dos excessos da vida em família, de discernir onde investir de como gastar e da cobrança que se agrava em razão da dependência emocional. Muita matemática financeira. Não vai ser uma longa explicação que irá dizer mais do que uma troca de olhares.
A extrema mobilidade das mulheres, desde que largaram maridos ultrapassados que não a realizavam e soltavam disparates contra a gênese feminina, venceu preconceitos e descréditos machistas. O casamento deixou de ser sacralizado e virou um fórum de discussões onde a verbalização é a tônica para a relação ser politicamente correta. Surgiu a necessidade de um diálogo permanente numa tentativa de conciliar o tesão com porções generosas de entendimento e admiração, de modo que falem a mesma linguagem.
No entanto, por mais que se tente, a insatisfação corrói os casais. Quase nunca reconhecem os próprios equívocos ou o verdadeiro valor do companheiro. O fato é que nem sempre se diz tudo. Possuir o dom da palavra não basta, nem sempre se pode dizer tudo. Mas há que se preservar a integridade, mesmo que alquebrada ou viciada pela ação do tempo, para não ser diminuída pelo contendor que silaba ainda que te ama, confuso no medo de te deixar escapar. Isso impede você de se abrir inteiramente.
Nem sempre se diz tudo, inclusive porque ele pode lhe perguntar o que quis dizer com aquilo tudo. Se está brincando em cima de palavras que arranham a razão de sua sensibilidade. Liquida com a poesia da afeição que errou de caminho e suprime o campo de ação do erotismo, isolando-o num campo de concentração para não ser confundido com amor.
Pode ser um sinal de sabedoria “nem sempre se dizer tudo”.

Antonio Carlos Gaio:
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