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MANIPULAÇÃO

A traição é a matéria-prima mais abundante na política, muito embora o eleitor procure a todo custo racionalizar de forma a não ser enganado. Contudo, o coração fala mais alto e não consegue evitar que até Brutus esfaqueasse pelas costas seu pai adotivo, o imperador Júlio César, mancomunado com outros senadores. Para pôr fim à ditadura instalada na esteira de campanhas brilhantes que ampliaram o império romano e o status político do cidadão.
Toda palavra, entonação e o modo como a empregamos gera ambigüidades antológicas. O que é falado freqüentemente esquiva-se com destreza, na medida em que o político se ensaboa com o poder, cujo prazer suprime o tirocínio da clareza e precisão. Tudo o que professa tem um coletivo de significados que traz no seu bojo iguais ou maiores conotações obscuras. Jogo de palavras, semelhanças, apologias, discursos falsos, interpretações diversas, divergências nas raízes, duplo sentido.
Redundam na manipulação. Que começa no modo como escolhemos viver e nos transforma no que somos. Que prossegue depois da morte, pretendendo interferir na história oficial, pois, no ato de desencarne, viramos ficção. E nada como amoldar o personagem à história que mais nos convém.
Quando se manipulam remédios, a expectativa é de cura, mas pode redundar em mal-estar se os efeitos colaterais retiram-lhe o feitiço. A manipulação entorpece a memória, desencorajando a ilusão de sabedoria. Baseia-se no direito de ir-e-vir de que as idéias cambiam de época para época, não sendo reféns de uma única interpretação autoritária de intelectuais simplórios. A contradição é livre, se o óbvio lhe aborrece, que se ejacule uma infinidade de discursos políticos de significados conflitantes. Pouco importa se concorrem para enroscar e fazer desaparecer o conteúdo.
A desconstrução serve como um martelo para desmantelar ideologias que engessam a economia e afugentar para outro mundo o espectro da ameaça de injustiças sociais. Com os sem-terra, sem-teto, sem-isso, sem-aquilo. Importa mais pagar as contas para que continuemos sendo aceitos no meio deles. Sem as inconveniências do “grupo sem”, que aumentam nosso risco.

Antonio Carlos Gaio:
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