Observa-se há muitos anos que diversos filmes têm veiculado imagens, concepções, propostas, conceitos ou ideias relacionadas ao Espiritismo. Sem ninguém notar, mesmo que se rememore as cenas em si para um ateu assim refutar: “Eu não consigo enxergar isso tudo”. Aliás, os ateus nunca viajam na transcendência, só se estiverem com seu comportamento alterado. Mesmo os próprios produtores, diretores e atores, envolvidos no projeto do filme, desconhecem ou sequer se identificam em tamanho propósito trazido à tona pelo filme. Sem contar os críticos de cinema, que desprezam os filmes espíritas brasileiros, quando não os rotulam de ingênuos e aferindo qualidade baixa. Só por serem assumidamente espíritas e os críticos se curvarem ao estrelato de “Em algum lugar do passado” (1980), “Ghost” (1990), “Amor além da vida” (1998) com Robin Williams, “Além da vida” (2010) dirigido por Clint Eastwood com Matt Damon, “Viva – A vida é uma festa” (2017), o adorável musical animado mexicano que venceu o Oscar de Melhor Filme de Animação em 2018. Uma seleção representativa de filmes que podem ser salvaguardados, é bem verdade, mas os outros ainda confundem terror, assombração e fantasmas com espiritismo.
No filme “Bolero: a Melodia Eterna”, produção francesa dirigida por Anne Fontaine e com Raphaël Personnaz interpretando Ravel, o compositor e pianista era conhecido sobretudo pela sutileza das suas melodias instrumentais e orquestrais, mas que considerava Bolero trivial, uma peça para orquestra sem música ou dezessete minutos de orquestra sem música, que se tornou uma das melodias mais reconhecidas e reproduzidas no mundo inteiro. Muitos não conhecem a totalidade da obra do francês, nem tampouco fazem ideia de sua importância para a música do início do século XX. Confidenciava a amigos que precisava criar uma obra especial, que caísse no gosto do público e, ao mesmo tempo, agradasse a crítica.
Desde pequeno, já pipocava em sua mente o movimento cadenciado de Bolero, estimulado pela mãe. Durante a 1ª Guerra Mundial, prosseguia a obsessão quando dedilhava no piano os seus primeiros acordes. Até que passou para a partitura e não lhe agradou – achava pouco. Em 1928, recebeu uma encomenda da bailarina Ida Rubinstein para musicar um balé. Foi de Bolero, e se decepcionou mais ainda. Mas a bailarina o adorou e pouco se importou com seu grau de exigência demonstrado em palavras descabidas e ofensivas. O público, no entanto, o ovacionou de pé.
Tentou criar uma outra obra à sua altura e não teve sucesso. Ravel significa desembaraçar os fios de uma malha. Acabou enredado, sua memória ficou afetada e incapacitada para compor, vindo a morrer em 1937, no leito de uma cirurgia justamente realizada em seu cérebro, quando não mais recobrou a consciência.
Faltou humildade com o dom que Deus lhe deu personificado numa obra tão simples como o Bolero de Ravel: singelo, único, sem complexidade e sem malícia, verdadeiramente puro. A obsessão com o destino que traçou para ele o fez se lançar a voos mais altos, necessitando, para isso, nunca se casar nem ter filhos, vivendo de forma quase reclusa em sua casa, muito embora gostasse da companhia de alguns amigos.
A despeito de alguns que, aparentemente, vêm pobres e desamparados para encarar o desafio da encarnação, Ravel veio munido de seu Bolero e o viu ganhar vida própria, crescer e se desenvolver, como a evidenciar que possui Espírito ao permanecer na memória dos que já o ouviram até o dia de hoje, em trajetória sem fim, a prenunciar sua eternidade. É o espírito do Bolero superando o espírito de seu criador.