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O JARDINEIRO FIEL

No fulgor da juventude e do sucesso profissional, sempre foi um homem macho que agradava às mulheres ao encarnar o barquinho vai de Ronaldo Bôscoli, capaz de apaixonar de Elis Regina a Maysa em dias de luz, festa de sol. Ela nem acreditou na proposta de casamento associada ao macio azul do mar, onde tudo é verão e o amor se faz num barquinho que desliza sem parar. Já achava o máximo ele possuí-la seguidas vezes, sob a alegação de que adorava desmontar o seu arquétipo intelectual e pudico.
A lua-de-mel terminou quando ela descobriu que um homem precisa de outras mulheres para se satisfazer. Quando ela pensava ser a exclusiva e a homenageada por um sexo tão maravilhoso com que diariamente ele a brindava. Quando passou a haver um espaçamento na procura, ela não se tocou, achou normal na constância do casamento. Não se apercebeu que nos uísques tomados por ele lá ia o desejo alimentado por gatas, secretárias e putas – não podia ver um rabo-de-saia. Seu mundo caiu ao enxergar nele um cafajeste. O que fazer, se ainda amava aquele pulha?
Resolveu empreender uma reação e comê-lo pelas beiradas, já que não estava a fim de abrir mão da vida em família, com filhos, netos, sítio, cachorro e tudo mais a que tem direito. Chegou até a mudar de profissão para crescer, aumentar o seu nível de saber e diminuir os vínculos de dependência emocional. Mal consegue disfarçar sua sexualidade crescente atrás de óculos graves que não contêm os agudos que pretende imprimir nos orgasmos. Ele entende como o soar do gongo para o início de uma disputa. Acusa o golpe, joga a toalha no ringue e inicia seu processo de decadência, engordando que nem um cantor de ópera que se transformou tardiamente em castrato. Tornou-se o avozão preferido dos netos.
Foi quando ela decidiu continuar no casamento, mas dormir em quarto separado. Sob pretexto de que dividir a cama é uma obrigação absurda num casamento de longa duração. Era daquelas que acordava com mau humor e não sabia aproveitar a ereção do sol. Ele preferiu se calar e tornar-se um pizzaiolo ao construir um forno no sítio. A pizza ajuda a manter tudo nos seus devidos lugares e ele não queria perdê-la, pois descobriu que nenhuma outra mulher seria melhor que a sua.
Foi aí que o velhaco perdeu seu rebolado, ainda mais que ela nunca lhe dará chance de saber se um dia irá embora ou não. Se tem um amante ou não. Faz questão de deixar uma suspeita no ar. Até porque se insere com rara facilidade dentre os amigos dos filhos, parecendo uma irmã mais velha que se junta aos bons para ser um deles.
Quando ela o priva de seu sexo, ele passa a mão pelo pescoço prevendo a iminência da ação da guilhotina. Prefere manter-se acorrentado a ela como se fosse um cachorro. Contudo, ela pode perfeitamente não manter relações com nenhum outro homem, pois tem orgasmo com a vingança e escravidão no crepúsculo do macho. Como pode perfeitamente impor uma relação com um pretendente cujo prazer seja compartilhar dessa degradação de valores. Ela conseguiu retirar do marido toda sua força vital para deixá-lo dependente do seu poder.
Ele se torna um jardineiro fiel como castigo a si próprio por não ter sabido cuidar das flores e cultivar seu jardim.

Antonio Carlos Gaio:
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