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ODE À CACHAÇA

Um ato de ignorância repulsiva quem chama Lula de cachaceiro. Como se quem bebesse cachaça estivesse obrigatoriamente associado aos alcoólatras das páginas da vida. Quando se sabe que os ingleses não abrem mão de duas doses de uísque sem gelo para acalmar a tensão do final do dia. Uísque, a preferência nacional da nossa burguesia, enquanto cachaça é relacionada a pessoas rudes e grosseiras. Até Aécio sabe que o melhor de nossas cachaças possui um sabor incomparável, assim como uísque vagabundo dá uma ressaca no dia seguinte que o faz jurar nunca mais enfiar pela goela abaixo qualquer coisa que lhe ofereçam.
Então, por que associar Lula à pobreza da cachaça e o vinho francês à riqueza da estirpe de FHC? Porque ambos são a cara desses segmentos sociais, com o agravante de que, na cachaça, basta acender o fósforo para se ver o resultado: uma queimação de filme.
Inteligente seria estruturar com passos mais sólidos e rápidos essa segmentação dos destilados, e exportá-los, que é a solução. Só assim passaria a ser respeitado, como são hoje em dia o samba, a cabrocha, o futebol, a capoeira e outros pagodes – os marginalizados em outra época.
E por que não o presidente Lula como o garoto-propaganda da cachaça que não é água? Seria uma falta de ética associá-lo a um produto nacionalíssimo? Só se bebesse que nem o Yeltsin; caso contrário, iria faturar uma grana preta em termos de prestígio, o que seria antiético, pois redundaria em dividendos eleitorais.
Assim sendo, por força do preconceito contra a cachaça que encontra em Lula seu artífice, críticos contumazes, um tanto bêbados, incorrem na burrice de prejudicar nossa economia e desvalorizar a cultura nacional com um pensamento que vem desde o tempo do império e que só contribui para manter em baixa nossa auto-estima.
Com essas futricas que mal disfarçam um desforço de classes sociais que não cabe num país miscigenado, empurramos com a barriga um acerto de contas em favor de um país tropical mais justo e com menos desigualdade nos ganhos.
Lula irritou a burguesia, menos pelo mensalão e dossiê e mais por afrontá-los com um discurso que, por vezes, beirou a megalomania e o sapato alto. Essa presunção foi punida nas urnas.
No entanto, cachaça só dá boas idéias.

Antonio Carlos Gaio:
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