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TRAÍDO

Homens abandonados que têm baixa tolerância à frustração reagem de forma desproporcional a qualquer sinal de independência da mulher. São vítimas do orgulho e precisam aprender a saber perder, senão o amor vira desejo de matar e a mulher marcada para morrer. Neles persiste a negação, ou seja, sentem os sintomas, mas não procuram um médico ou demoram a buscar atendimento, para evitar entrar em contato com um mal maior.
Reclamam de uma época em que se descarta sem pudor. Dos laços frouxos que estabelecemos. Um elevado número de parceiros que querem ficar com ela, o pesadelo do tamanho do King Kong. Ainda não apagaram da mente o tempo em que o sexo era tabu, pois no seu DNA está gravada a libertinagem de que privavam os ancestrais em bacanais – a transgressão preferida. Vadia, piranhão do rock, pensam, mas não falam, quando ela exerce seu direito de opção ou procura o prazer como bem lhe aprouver. Cultivam um receio de ver comprometida a atração pelas mulheres de tão ressabiados que vão ficando. Se consideram ameaçados por não se acharem um homem à altura do porte dessa fêmea vitaminada, mesmo que ela exagere e não seja tudo aquilo que se imagina. Não consegue distinguir e puxa o freio de mão.
Vira um paranóico. O que será que andam comentando a respeito dele? Uns sorriem fazendo pouco, outros o tomam como perdido. Se depender do paranóico, o mais fácil seria seguir vivendo sem maiores profundidades e tentar dar certo com o que aprendemos com nossos pais para tornar o relacionamento tudo de bom. E sair cantando que amanhã é outro dia.
Mas não se pode assoviar e chupar cana. São parasitas que não conseguem disfarçar, com sua acomodação estóica, a insatisfação crescente com a mulher que não vacila e não mais o consulta sobre seus próximos passos, confundindo-a com uma castradora que veta e expulsa. Sofre o abalo na vontade de comer, repercutindo na imagem de macho que preza. Quando vê seus privilégios se desvanecerem. Os efeitos do solfejo dos floreios românticos não fazem mais os olhinhos dela brilharem. Oferecer juntar os trapos, prometer dormir agarradinhos e declarar-se apaixonado não convence mais. Para quem não hesita em lançar carga ao mar.
Ata-me! Ao contrário do filme de Almodóvar, agora é o algoz que se sente manietado em exercer sua masculinidade e introduz em si o medo de ser preterido, em virtude da cultura atual cobrar dos parceiros a garantia do prazer. Mas continua a negar como Pedro ante Cristo:
Já nasceram culpados pelo que fizeram em outras vidas e não mais se lembram. Torturam-se com os segredos contidos nos suspiros de desencantamento que nenhuma convivência pode esconder. Requer-se muito equilíbrio para se manter centrado numa relação. Estamos sujeitos a bombardeamento diário diante de tantas incertezas nominadas de tentações. É um tabu falar abertamente sobre o que o amor se sustenta, a libertação da mulher abriu um horizonte cujo sol ainda nos cega!
O desequilíbrio surge quando um dos dois dá um passo à frente e esboça transformações que demoverão a relação do lugar em que se encontra, enquanto o outro se apega à paixão assumida e estaciona expondo carências. A traição ronda como um pecado, mas pode oscilar para uma necessidade. A transgressão contra a intransigência, quando o pacto implicava em ambos se mexerem para não trair o maior dos sonhos. Basta pôr o olho num microscópio para examinar que só há vida onde existe movimento.
Como as expectativas não estão sendo correspondidas, o traidor acaba por expor segredos de sua intimidade em seu percurso de redescobrir amor dentro de si, machucando o traído, que se sente trocado, substituído, rejeitado. Qualquer traição é perceptível imediatamente, só não vê quem não quer.
Subjacente para o traído é a infidelidade, quando procura manter o compromisso a qualquer preço e resiste entrincheirado num casamento que se tornou unicamente tradição, apesar de paulatinamente haver destruído a fantasia que animava o sonho de transformar a rebeldia de uma paixão num amor em paz. Ao ter encontrado a razão de viver, amou muito mais do que devia amar e o amor quando se desfaz, deixa de ser a coisa mais linda, cheia de graça.

Antonio Carlos Gaio:
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