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TIRO E QUEDA

É inadmissível que suicidas se atirem pela janela com os olhos fechados. Têm que pedir “limpa”, no jargão de bola de gude. Veja quem está passando lá embaixo e avise, se esgoele todo, para não levar outros consigo. Quer ir embora, vai. Já vai tarde! Mas não precisa levar quem não quer, e ainda tem muita coisa por fazer, por mais que não consiga mudar o seu destino de burro de carga.
Copacabana não me engana. O camelô foi atravessar a rua para trocar o dinheiro do freguês e caiu-lhe no quengo um infeliz egoísta. Uma desequilibrada não sabia o que fazer entre as quatro paredes e foi procurar uma melhor sorte ao ar livre do 12º andar. Tirou a vida de uma mulher, a duas quadras de sua casa, diante do filho e da mãe.
Por essas e outras, o suicida é mal visto, tira o humor de qualquer um. Por conta de que o exibicionismo no derradeiro salto acrobático? Preferível a dignidade dos japoneses, que se auto-imolam isolados em florestas, a natureza é mãe, o lobo o diabo, a neve o leito, e Deus a testemunha.
Estrupícios que se suicidam, e assassinam. Se já se foram com culpa no cartório, imaginem agravar a pena segundos antes de expirarem. Não vai adiantar a desculpa surrada de que essa não era a intenção, pois o inferno está cheio de boas intenções. Nem no julgamento de sua causa serve como atenuante a carga pesada de sua existência. Se as religiões condenam aquele que se mata, ignorando se em caráter de protesto ou de fuga. Mesmo porque o desatinado chama a si o controle da vida somente no extremado gesto, um gesto de justificativa insondável.
Ninguém deseja morrer antes de seu tempo, muito menos a reboque de suicidas inconseqüentes. Salvo se com a garantia de reencarnar imediatamente em alguém próspero e amante, à prova de depressão. Salvo se extinta a falta de generosidade com que brindamos nossas amizades e relacionamentos. Por conta de uma competição que fere e acumula ressentimentos que entornam o caldo, desvirtuando o caráter humano que nos foi atribuído, deixando vítimas no solo da selva urbana, onde outrora foi a princesinha do mar.

Antonio Carlos Gaio:
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