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MISS JULIE

Miss Julie

A crítica de cinema por vezes decepciona por se conformar em ficar restrita à circunscrição do filme, sem observar que Johan August Strindberg, autor da peça “Senhorita Júlia” que originou o filme Miss Julie, escrito a quatro mãos com a nada mais nada menos, a grandíssima Liv Ullmann, a diretora, foi um dramaturgo, romancista, ensaísta e contista sueco que se tornou famoso por seus diálogos ásperos em suas peças, explorando propostas e métodos de dramaturgia de largo alcance e desenvolvendo, desde o seu primeiro trabalho, formas inovadoras de ação dramática e de linguagem com seus enredos realistas e sentimentos antiestablishment – aspectos esses que se constatam em Miss Julie, escrito em 1888. Uma verdadeira e singular escola de teatro, a sueca, que nos legou o maior gênio de todos, Ingmar Bergman, na qual não se busca traçar paralelo com o paradigma inglês. Num clima de solstício de verão em 1880, Jessica Chastain, a descompensada de nariz empinado, filha de um aristocrata, incentiva Colin Farrell, um criado de quarto de seu pai, a seduzi-la. Eles flertam desafiando psicologicamente um ao outro a maior parte do filme no cenário de uma cozinha. Samantha Morton, a cozinheira, noiva do valete, testemunha a disputa entre os espadachins amantes, livres de constrangimentos de diferenças de classes, bebendo e se divertindo com jogos de sedução e manipulação. Ela, arrogante, altiva e dominadora, ele educado, mas rude – vinculados por sentimentos mútuos de repulsa e atração. Strindberg retrata também que um criado trocar experiências sexuais com uma jovem de alta linhagem corresponderia a desonrá-la, a sujá-la, trazer a desgraça para os de sangue azul – como a luta de classes demorou até fazê-la aflorar na Europa monárquica e de mentalidade feudal. Reflete ainda como a mulher já revelava desespero de causa, sufocada num mundo feito para os homens desfrutarem seus privilégios, se não entrassem tanto em guerra uns com os outros. Por isso mesmo, coerente com um ato final muito bem solucionado e adequado aos padrões da época, sem ser nada convencional, ao contrário, o que poder-se-ia encontrar nas melhores páginas da mitologia grega.

Antonio Carlos Gaio:
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