Uma faca de dois gumes, pois ao mesmo tempo que liberou um valioso manancial de informações para consulta, com a versão global sobre a História do Brasil fruto de seu noticiário, também facilitou o acesso para melhor estudar seu ideário e examinar sua coerência no repúdio a Getúlio Vargas, Jango Goulart, Brizola e, mais recentemente, Lula. E comparar com seu apoio fechado à UDN, Carlos Lacerda, ao golpe militar de 64 e, há pouco tempo, a Fernando Henrique Cardoso e ao modelo neoliberal, privatista e entreguista defendido pelos tucanos.
O arrependimento veio tardio, 50 anos depois, mas seria bem-vindo se fosse sincero, tal como o Estado do Vaticano vem tentando e conseguindo à medida que se compromete com todos os povos e religiões a quem prejudicou com a Inquisição e a intolerância, a ponto de declarar guerra a quem não professasse a fé católica apostólica romana.
Acontece que o apoio ao golpe equivale a também ter abraçado o Estado militar terrorista, evidenciado pelo silêncio cúmplice face às torturas, extermínio, pessoas sequestradas e desaparecidas, a solução final presente no Brasil, que bem poderia ser considerado a filial do inferno, à época.
Era preciso abandonar esse navio fantasma, desvencilhar-se desses esqueletos no armário e lavar as mãos como Pilatos. Mas, e o enriquecimento sem paralelo na história das grandes fortunas formadas e acumuladas no Brasil, de onde nasceu do ovo da serpente a TV Globo? Um grande aparato midiático conquistado graças a uma poderosa conspiração golpista, arquitetada pelos maiores empresários brasileiros, testas de ferro de multinacionais e banqueiros reunidos na Federação das Indústrias de São Paulo para depor Jango Goulart. Na antessala, as Forças Armadas prontas para prestar continência a quem realmente manda no país e assumir o poder con mucho gusto, o sonho sonhado desde 1932, com a Revolução Constitucionalista em São Paulo; 1937, com o levante integralista; 1954, suicidando Getúlio Vargas; em 1961, não querendo deixar que Jango assumisse com a renúncia de Jânio Quadros. Tudo, tudo, tudo sob a batuta do maestro Lincoln Gordon, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
Não é à toa que os militares da reserva estão furiosos com O Globo, encarando o revisionismo global como traição, usando dos mesmos métodos stalinistas, quando excluiu Lenin e Trotski de fotos, em assepsia histórica – negando o que não pode negar. A cartada é arriscada porque ratifica a pujança da mídia da Globo interferindo na vida política brasileira, como se partido político sem eleitor, mas dependendo dos leitores e de olho nas manifestações. Funcionando como um Estado paralelo face ao seu fortíssimo poder de penetração, embora sofrendo acirrada concorrência das mídias sociais e dos blogueiros “sujos” (os que lhe fazem oposição). Querendo apagar sua trajetória do passado em apoio ao autoritarismo e menosprezo à democracia, de mesmas características do eufemismo com que as viúvas da ditadura passaram a rotular o golpe de 64 como contrarrevolução – para evitar que o povo ingênuo brasileiro caísse nas mãos dos comunistas.
Sempre subestimando a inteligência do leitor. Até quando?