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DAMA-DA-NOITE

A dama-da-noite é uma flor aromática e de pétalas finas, que se origina de planta trepadeira com caule ereto e ramificado. Desabrocha, com bagas de coloração branca, somente à noite, exalando um perfume forte que invade as ruas madrugada adentro e abre os espíritos, por ser uma ode à fertilidade, ao se reproduzir com extrema facilidade. Antes dos primeiros sinais da manhã, a flor-da-noite se fecha e perde seu cheiro de sexo.
 Cartola poetizou que as rosas não falam. Contudo, Isolda não se descuidava da dama-da-noite um dia sequer, dirigindo-lhe a palavra com uma ternura e carinho que só caberiam no grande amor de sua vida, ignorando que a dama-da-noite leva a sério juras de amor.
Porém, naquela noite, Isolda acreditou em promessas de amor de quem estava marcado pelo destino para ser o grande amor de sua vida. Assim ditava seu fervor que apertava-lhe o peito e deixava o coração em brasa. E não foi dormir em casa.
Todavia, a dama-da-noite exige fidelidade. Mal acostumada a uma dedicação sem paralelo de Isolda, naquela fatídica noite, a dama-da-noite, enciumada, se vingou. Abriu-se toda e derramou seu vidro de perfume a valer, a ponto de tirar da cama a vizinhança que, intrigada, pôs a maledicência em dia, a especular sobre a desaparição de Isolda.
Um átimo do cochicho para o mexerico que fez Isolda esbravejar com a dama-da-noite: “Como é que você pôde fazer isso logo comigo?”.
Tão antiga quanto a Natureza, a dama-da-noite foi testemunha de amores lendários como o de Romeu e Julieta. Reconheceu tamanha intensidade na paixão de Isolda, que traçou um paralelo com a Isolda de Tristão – o paradigma de amor não possível de ser desfrutado – e enlouqueceu de ciúme. Sentiu-se traída, já que Isolda não guardou a mesma exclusividade e a trocou por um amor de segunda categoria – no entender da flor -, punindo-a no mesmo estilo hidrófobo com que as mulheres, possuídas pelo ciúme doentio, costumam fazer com os homens – ambas se merecem, portanto.
No entanto, quinze dias se passaram e a dama-da-noite resolveu perdoar a vigília em falso de Isolda, presenteando-a com uma penca de botões e flores a granel. Se bem que o aroma inigualável marcou a última vez que a dama-da-noite lhe deu filhotes. Além de ter secado a fonte de Isolda, que nunca mais conseguiu se desvencilhar da flor-da-noite, à espera de que ela florescesse novamente e a engravidasse com seu perfume.
Quem ainda não acredita que se pode conversar com as plantas? Basta tomar cuidado com o reino vegetal, que conhece melhor o espírito da Natureza do que a rala percepção humana.

Antonio Carlos Gaio:
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