Cheira bem a reparação pelos males e injustiças causados pela ditadura militar, a fim de passar a limpo a História do Brasil e não mais confundir o golpe de 1964 com revolução. No entanto, cheiram mal indenizações e pensões polpudas para quem já conseguiu transformar o fantasma da perseguição em mote a ser explorado, quando nem sequer se identificavam com as cabeças postas a prêmio pela linha dura do regime.
Mas esqueceram de reabilitar Vinícius de Moraes, expurgado dos quadros do Itamaraty. Não se trata de apaniguar alguma de suas nove esposas. Mas não se pode imaginar Vinícius pegando em arma e fazendo luta armada ou conspirando contra o regime. Foi cassado pelo pior dos vetos: o moral. Ofendeu a tradicional família dos diplomatas com a constância na troca de esposa, tanto quanto Henrique VIII. Em “o uísque é o melhor amigo do homem, é o cachorro engarrafado” promove o alcoolismo a níveis insuportáveis para quem necessita da penumbra para se afogar.
Vinícius era embebido na generosidade, contrário à ostentação, distante do pragmatismo que viria a nos contaminar. Inventou estilos na bossa nova até reconhecer o negro que nele existia, quando pergunta ao orixá se o amor só é bom se doer, já que o homem que diz “vou” não vai; quando foi, já não mais queria ir. O homem que diz “sou” não é, ele é mesmo o “não sou”. Coitado do homem que cai no canto de Ossanha, coitado de quem vai atrás de mandinga de amor: Vai, vai, vai, vai, não vou, eu só vou se for pra ver uma estrela aparecer, na manhã de um novo amor!
O poeta apenas bandeou-se da poesia canônica para a ode, desconstruindo a erudição para torná-la singela, ao feitio da bossa nova, rumo à tonga da mironga do kabuletê. Para você que ouve e não fala, olha e não vê, que vai ter de aprender. Pois se, na Poética de Vinícius, de manhã ele escurece, de dia tarda, de tarde anoitece, de noite arde, ora vejam, se morria ontem e nascia amanhã, andava onde havia espaço – o tempo de Vinícius era quando.
Quando não ficava pensando na vida e por outra não via saída. A gente mal nasce e já começa a morrer, depois da chegada vem sempre a partida, porque não há nada sem separação. Sei lá, a vida tem sempre razão, a gente nem sabe que males apronta, nada renasce antes que se acabe, a hora do sim é o descuido do não, sei lá, só sei que é preciso paixão.
O poeta mundano fez o que fez pela nossa música e foi cassado por ser considerado devasso. Quando amou demais, elas lhe deram vida, reconhece na canção composta com Tom Jobim. Confessa que nunca haverá de ter paz, só quer sentir saudade, tudo lhe diz que amar será seu fim, que desespero traz o amor!
O desregramento como forma e conteúdo do amor assustou as viúvas de Vinícius de Moraes. Ao compor “Medo de Amar”, sugere virar essa página e fingir que o amor acabou. O ciúme é um mal de raiz. Ter medo de amar não faz ninguém feliz. Agora vá à sua vida. Porém, não se surpreenda se uma outra mulher nascer de Vinícius, como do deserto uma flor, e compreender que o ciúme é o perfume do amor.
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