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III-)MEDO DE AMAR DE NOVO

 Palestra

Debate extraído de seu livro Ilusão de Ótica, na Casa Lea Pentagna/Valença/RJ, em novembro de 1997

“Aos 20 anos, quando o amor acaba você pensa que não vai amar mais, outra vez. Aos 40 anos, quando o amor acaba você sabe que não vai amar mais.”
Essa frase surgiu do anonimato de uma mulher independente que sofria por amor, nascido de uma paixão que a tirou do torpor de um casamento que se consumia na última chama. Em pleno pós-feminismo, quando se pensava que a mulher estaria liberta da carga que tal sentença contém. Depois dessa mulher haver superado a época da balzaquiana de Machado de Assis, a “velha” solteirona de 32 anos. Depois dessa mulher haver detonado a que nasceu para pilotar tanque e fogão ou a mulher pra 400 talheres. Depois de vencer a restrição a que estava condenada de só poder casar uma vez, ou pior, de só poder amar uma única vez, se tivesse sorte.
Para abrir o debate, quisera poder alterar a sentença que condenou esta mulher para: aos 40 anos, quando o amor acaba, você sabe que não vai amar mais, com medo de amar. De novo.
Voltemos ao passado para chegar ao presente. Desde que o ser humano se organizou em tribos, vilarejos, cidades, impérios, civilizações, feudos, castelos, reinos, emirados, sultanatos, califados, o que importava eram os interesses econômicos, no que se convencionou chamar de casamento, para assegurar a manutenção da linhagem. Afinal, a associação ou a sociedade entre os dois sexos era considerado algo muito sério, que não poderia se dar ao luxo de permitir o convívio no seu meio de… por exemplo, uma paixão de Sansão por Dalila; cego de amor, pôs o palácio do imperador a pique quando lhe tosaram os cabelos. Ou de Marco Antonio por Cleópatra, que abalou as estruturas do império romano. Ou de Penélope, que de dia tecia uma manta, para de noite desfiá-la, enquanto esperava Ulisses resistir ao canto das sereias. Iiih! Isso tudo é tão antigo… é lenda, folclore, diria alguém que descrê do amor.
No final dos anos 1700, em plena era do colonialismo e do imperialismo, que provocou violentas mutações no mapa-múndi do planeta, a população começou a migrar para outras terras mais promissoras a fim de fugir de perseguições religiosas; bem como sair do campo – onde coabitavam com muitos parentes – para os centros urbanos, trabalhando em fábricas. Homens e mulheres se juntaram visando dar uma nova feição ao casamento, que os ajudou a se sentir menos desamparados, longe do restante da família e de suas raízes, sob as bênçãos do capitalismo selvagem. É neste momento que o romantismo se instaura e o amor pede licença para entrar no casamento.
O século XIX veio a consagrar o casamento, marcado pela era vitoriana, que expande as fronteiras do império britânico aos quatro cantos do planeta, em conluio com a doutrina protestante cuja rigidez moral estreitava os limites éticos do cristianismo. Assim sendo, não havia escapatória, todos estavam condenados ao casamento. E ai de quem não casasse. O homem tinha de casar, ou então só poderia satisfazer suas necessidades sexuais com as prostitutas; depois que passava dos 30, solidão significava sinal de impotência, evoluindo no século XX para viado. Quanto às mulheres solteiras, era-lhes imposto o papel de viver o cárcere de seu celibato. Fofoqueiras e mal vistas, constituíam uma ameaça às esposas. Não ter uma família causava tanto medo que o mais aconselhável seria se conformar com uma relação insípida e frustrante, às custas de compartilhar a mesma cama, impregnada do cheiro e da presença insuportável do marido ou da esposa. Sei do caso de uma viúva que, logo após a morte do marido, ficou surda dele quando decidiu já ter ouvido tudo o que tinha que ouvir da vida; comprou um piano e viveu na santa paz.
Até os anos cinqüenta do século XX, a mulher queria se sentir protegida num casamento em que o marido desempenhasse o papel de chefe de família como bom provedor, não deixando faltar nada em casa. A boa esposa, para o homem, seria aquela que tomasse conta dos filhos, passasse e engomasse a camisa do terno, acordasse para esquentar o pão no café-da-manhã e que não deixasse dúvidas quanto à sua decência e dignidade. Em outras palavras: “Menina, olha os modos!”. Éramos feitos para amar somente uma vez na vida. Dentro do casamento. Sujeito à aprovação dos pais que examinavam o status do pretendente que ambicionava a mão de sua filha. Homem provedor no casamento e instituto de previdência na separação. Se de todo o modo a mulher se separava, dizia em tom tristonho “nunca mais vou amar de novo”. Por ser dependente do homem, o acesso ao amor era como se estivesse interditado.
Após os anos dourados, ainda persiste o medo de abandonar o porto seguro. Porto seguro abrange desde o status de primeira-dama e chefe de família ou cabeça de casal, gozando de situação financeira estável, até… deixemos a mulher desse tempo falar: “Eu me sentia segura apesar de insatisfeita. Porque já o conhecia bem; sabia o que podia esperar dele. De repente, desprendi as amarras. Agora estou solta, sem saber o que vai acontecer, sem saber como será meu amanhã. Às vezes me arrependo de tê-lo largado: é preferível uma situação insatisfatória do que se iludir com outro amor e acabar só.”
A mulher do pós-anos dourados ainda exigia a garantia do papel. Desafiava o macho em voz alta: “Você tem de desbravar essa floresta! Prove que me ama primeiro, para eu me sentir segura e me entregar. Sabe por quê? Porque quando me apaixono, eu caio de quatro, enquanto vocês, homens, não!”
Na era da globalização, a mulher já se dá o direito de largar o homem a hora que bem entender e viver o amor do jeito que sempre quis, enquanto o homem se livrou da carga de provedor e do politicamente correto chefe de família. Hoje, as pessoas escolhem seus parceiros por amor e esperam ver o seu desejo correspondido. E que dure uma eternidade, afinal de contas a idealização não morreu. Sonha-se com o casal se transformando numa pessoa só e cada um espera ter as suas necessidades pessoais satisfeitas pelo outro. Procura-se afastar a ameaça do mundo hostil, competitivo, inseguro e que vai desampará-lo, construindo o projeto do par amoroso que está sempre junto, que se completa em tudo. Ambos estão livres e ansiosos para viver o amor na sua plenitude. Custou, mas enfim, os dois sexos estão prontos para viver o verdadeiro amor. O amor que liberta e aumenta o prazer. Falso ou verdadeiro?
Deixemos o homem globalizado falar: “Ficamos mais livres para amar, mas, em troca, temos que abrir mão de interesses que proporcionavam imensa satisfação. Devo me afastar dos meus amigos que você não gosta. Fazer concessões para provar que eu te amo.”
Permitam-me meter o bedelho, não resisto, e acrescentar: o homem está apenas principiando a fazer concessões. E por absoluto medo. Medo de perder aquele amor. Medo de vir a sofrer de novo por não ser amado. Medo de ser abandonado pelo amor da mulher. Porque se entregar, nos dias de hoje, significa abrir passagem para que ela entre no seu íntimo.
Amor se mistura com poder, domínio e posse. O medo de perder esse amor é tão grande, que procura-se dominar para que não seja abandonado. A fim de contar com o outro para sempre e afastar a ameaça de rivais. Porque quando você é abandonado, é o fim do mundo, é o fim do caminho! Em que o outro é melhor do que eu? Por que motivo fui abandonado? Às vezes, o medo de ser rejeitado antecipa a separação. Porque, sufocado pela posse e cerceado pelo domínio, a única alternativa que resta é ir embora.
Por que tamanho medo da mitologia que cerca o amor eterno? Por ser romântico, puro, lírico, repentino, arrebatador, distante, quase inalcançável? Medo do tamanho de um bonde porque revela em suas tramas, o desejo e as tentativas de incluir a emoção do amor verdadeiro no dia-a-dia.
Medo de ser protagonista e mergulhar nas suas dores, queixando-se das dificuldades de tornar o amor real, quando esbarra e se confunde com a sedução, a paixão e o casamento. Medo de exaltar, em suas entrelinhas, a permanência da busca pelo ideal e a crença nas possibilidades desse verdadeiro espetáculo, que é o amor.
Ponto final. Vivemos uma época de liberdade sexual e da busca pelo prazer. O prazer exige que seja saciado, reproduzido, multiplicado, para evitar a existência monótona e estúpida à sombra da solidão. Há que repetir o prazer exaustivamente, até que nos frustremos, porque o prazer de amanhã nunca será o mesmo de ontem. Há que despender todas as forças para satisfazer sua mente, senão corre-se o risco de cair em depressão e ficar de mal com a vida. Porque é difícil admitir que a dor viva no seio do prazer. Ao não se aceitar que a dor e prazer sejam irmãos siameses, instala-se a insegurança quanto à busca do parceiro. Evita-se a aproximação de outros, com medo de amar. De novo. E de novo, sofrer.
Convido-os à uma reflexão sobre o que estamos fazendo com nossa capacidade de amar. Eis algumas situações que retratam como evitar o amor, transformando-o numa ilusão de ótica:
a) Lobotomia Consentida – Mulher que abdica do amor quando recorre a um médico espiritual para extirpar sua capacidade de amar, em vista de se encontrar aprisionada num casamento em que planos e esperanças haviam sido frustrados por um homem-marido, viciado numa única forma de ser que conhece. Ela se resigna e não mais aceitará que seu coração se acelere sem sua permissão. Levará para o túmulo o segredo de que matou o desejo de procurar um grande amor. Em tom de desespero, apenas tendo Deus como testemunha, cansa de esperar e dá um basta nas suas expectativas: esse amor não existe!
b) Amém – Ambientado nos anos 50, mulher criada para ser livre e independente toma a iniciativa de se entregar ao pretendente mais romântico e apressa o casamento, com medo de descobrir que não o amava, o que a obrigaria a buscar o verdadeiro calor do amor. Transformou a vida numa rotina que esconde a indiferença e o conformismo. O dia-a-dia acaba matando o amor? Ou será que estou sendo romântico demais?
c) Vazio – Como se fora uma borboleta que toca superficialmente as flores, mulher não suporta ser alvo de tanto amor e se constrange com declarações feitas em público, na frente de amigos. Sentindo-se desafiada e humilhada, desfere ataques insanos ao homem que quer casar e ter um filho com ela. A reação destemperada e agressiva visa testar até onde vai esse amor, cantado em verso e prosa, para confirmar que os homens mentem a respeito do amor. Devido ao medo de amar, ela esvazia seus relacionamentos, tornando-os precários e efêmeros, porque intimidam.
d) Paralisia – Mulher pontifica em triângulo amoroso, exercendo seu poder ao dominar dois ex-machões, tornando-os submissos. Ela guarda no seu íntimo a certeza de que jamais irá arriar os quatro pneus, brilhar os olhos e babar de desejo por alguém. Quanto a eles, cansados de ciscar, faltam-lhes hormônios para se livrar dessas areias movediças que os prostituíam moralmente. Fingem viver uma história de amor de modo a encobrir a paralisia da frustração em que se enredaram, impedindo-os de procurar outro gênero de amor.
e) Coração Partido – Enganos e desilusões amorosas levam uma mulher a se refugiar na dedicação ao trabalho, vencida pela falta de confiança em si na escolha do verdadeiro parceiro. O amor passa a ser uma idéia distante, como se fosse inacessível aos simples mortais. Este medo de amar de novo acaba por impedir que se aproximem dela.
f) Poderosa e Sempre Triste – Forjada nos anos carbonários da repressão militar, feminista verga sob o peso de sua própria ideologia, malversando sua independência conquistada às duras penas, ao brincar de amar nesse mundo careta, como quem desperdiça bala no exercício de tiro, visando destruir o alvo, ao invés de mirar.
g) Bulimia – Desde cedo ela não se sentia cuidada e sim invadida, quando lhe enfiarem comida goela abaixo. Aprendeu a engolir tudo rapidamente. Ao não conhecer a sensação de se sentir amada, aprendeu a ir ao encontro de seus desejos, para depois vomitá-los sem ter digerido. Faz uso de mil paliativos com o intuito de libertar de si mesma: gula, troca freqüente de parceiros, consumismo, busca infrutífera por um estilo marcante no se vestir, tratamento dentário que remodelasse o sorriso, e viagens constantes a Miami e à Meca das mulheres reprimidas: Porto Seguro. Mas nada lhe dava prazer.

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Antonio Carlos Gaio
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