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O SUICÍDIO DAS FILHAS DE KARL MARX

Eleanor Marx (16 de janeiro de 1855 – 31 de março de 1898), a caçula dos filhos do alemão Karl Marx, foi uma ativista política e autora marxista. Nascida na Inglaterra, educada em sua casa por seu pai, com o passar do tempo se converteu em sua secretária, passando logo a ser professora em um colégio de Brighton. Teve uma relação amorosa com Hippolyte Lissagaray, autor da História da Comuna de Paris, 20 anos mais velho, mas que não floresceu devido à desaprovação de seu pai. Tussy, assim conhecida pela família devido à sua tosse persistente, era erudita e poliglota, tal como as demais filhas de Marx. Embora seu pai tenha afirmado que ela era a mais parecida com ele, culminando por declarar que Eleanor era ele.
Em sequência à morte do pai em 1883, Eleanor Marx uniu-se à Federação Social Democrata e foi eleita para ingressar em sua executiva, empregando parte de seu tempo em dar conferências sobre o socialismo. Em 1884, chegaria a ser um dos fundadores da Liga Socialista (formação rival da Federação), a exemplo de seu companheiro de então, Edward Aveling, com quem iria viver. Ao memo tempo, o que a deixou perplexa, soube que seu severo pai teve um filho com a criada de sua casa, Helena Demuth (Lenchen), que auxiliava sua esposa, Jenny von Westphalen, nas tarefas domésticas.
Karl Marx levou o segredo para o túmulo. O intelectual não somente escondeu o filho extraconjugal, como também convenceu Friedrich Engels a assumir a paternidade da criança. Engels era o teórico revolucionário prussiano que, com Marx, elaborou o Manifesto Comunista em 1848 e fundou o chamado socialismo científico ou marxismo, assim como escreveu “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, notória obra para se entender a concepção do materialismo, a filosofia marxista, a institucionalização da família e o aparecimento do Estado Capitalista Moderno.
Frederick nasceu em 1851 e foi inicialmente dado por Lenchen a uma outra família. O enredo do segredo muda quando Marx, para tentar salvar o casamento com Jenny, com quem teve 7 filhos, pediu ao amigo Engels, então solteiro, que se declarasse pai do bebê. O que ele prontamente acatou, assustado com o escândalo vir a acabar com a família de Marx, que era também sua, além de ter em Marx um verdadeiro irmão.
Lenchen não era exatamente empregada doméstica, mas uma espécie de governanta, alguém bem próxima à família. Prova disso a sua importância ao ajudar Engels a reunir os escritos de Karl Marx, depois que ele morreu. Toda a história permaneceu oculta por pelo menos quatro décadas, e só foi revelada após a morte do ideólogo e de sua esposa. Embora Engels, em seu leito de morte em 1895, a tivesse contado para Eleanor Marx.
Acredita-se que Marx nunca tenha conhecido o filho – e que Frederick nunca tenha sabido quem era seu verdadeiro pai. Karl Marx ficou com receio de ser tachado de explorador do proletariado para obter facilidades sexuais em seu próprio lar.
A partir do fim da década de 1880, Eleanor Marx converteu-se em ativista sindical, apoiando greves como a do porto de Londres, abrindo uma editora, escrevendo numerosos livros e artigos e traduzindo diversas obras literárias, como “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, e “Um inimigo do Povo”, de Henrik Ibsen.
Contrariando sua posição de socialista, Edward Aveling gastava acima do que podia e contraía dívidas, oferecendo como avalistas Eleanor Marx e Friedrich Engels. Com dez anos de relacionamento, Eleanor descobre que Aveling havia se casado secretamente com uma jovem atriz. Por isso, ele sumia por uns tempos para, de repente, aparecer e ela tratá-lo de uma séria doença renal. Até que ele resolveu retornar para o colo de Eleanor Marx quando seu estado de saúde se agravou.
Depois de cuidar dele por algum tempo, aos 43 anos, em 31 de março de 1898, Eleanor Marx cometeu suicídio ingerindo ácido prússico, empregado em navios para extermínio de insetos e roedores. Causa mortis: amor não correspondido por um abjeto ser que não valia nada. Ainda assim, deixou um bilhete para ele: “Querido, muito em breve tudo terminará. Minha última palavra para você é a mesma que eu disse durante todos esses anos longos e tristes: amor”.
Edward Aveling foi amplamente rechaçado pela comunidade socialista, que o responsabilizou pela morte de Eleanor. Contudo, ela não deve ser reduzida ao seu suicídio, nem à exploração que sofreu. Tem de ser lembrada e celebrada como uma pioneira do feminismo. Uma líder social que trabalhou para estabelecer os primeiros sindicatos de mulheres. Concentrou-se em examinar como a estrutura econômica era construída sobre uma divisão de papéis em que os baixos salários destinar-se-iam às mulheres, promovendo seus direitos no local de trabalho e inscrevendo na agenda pública questões de saúde que as afetavam. Defendeu o cuidado com os filhos das mães trabalhadoras e sua respectiva educação obrigatória, abraçando mudanças estruturais no lugar das chamadas reformas cosméticas. Pugnou também pelo reconhecimento internacional da unidade entre os trabalhadores. Um dos slogans que mais sustentava era a implementação de jornada de 8 horas por dia para trabalhadores no Reino Unido e na Europa. Eleanor foi às ruas, conversou com os trabalhadores para entender suas preocupações e participou como oradora das mobilizações. Lutou pela extinção do trabalho infantil e pelo sufrágio universal (a mulher poder votar).
Conceitos enunciados por Eleanor Marx ao final do século XIX: “Luta de classes sempre houve, independente da aparição do socialismo”. “Lucro é o resultado do trabalho não pago”. “A mulher é tão oprimida quanto os trabalhadores, mas de forma especialmente degradante”. “A mulher é vítima da tirania dos homens assim como o trabalhador é vítima da tirania dos exploradores”. “A mulher é expropriada de seus direitos assim como o trabalhador também o é de seus direitos como produtor de riquezas. E o método é sempre através da força em qualquer momento e circunstância”. “Apesar dos avanços dos últimos anos, a mulher ainda depende moralmente dos homens e continua maltratada por eles”. “Conforme Marx previu para a sociedade proletária no futuro, a mulher será independente e igual a todos, sem distinção de sexo. Sua educação e outras oportunidades serão iguais às do homem. Será livre para as artes, ciências, escrita, ensino e diversões de qualquer forma”.
A casa de Karl Marx em Londres se tornou um centro de peregrinação para revolucionários de todo o mundo. Sua filha Jenny se encarregou de apoiar os refugiados, alvo de perseguição após a dissolução da Comuna de Paris, em busca de proteção na Inglaterra. A Comuna de Paris foi a primeira experiência socialista no mundo que eclodiu numa guerra civil por melhores condições de trabalho e de vida, quando operários e membros das classes populares tomaram o poder na França, entre março e abril de 1871.
Karl Marx e Jenny von Westphalen tiveram sete filhos, mas apenas Jenny, Laura e Eleanor, nessa ordem, chegaram à idade adulta. De saúde frágil, a vida da filha Jenny foi marcada por doenças, morrendo aos 38 anos, em janeiro de 1883, de câncer na bexiga, na França, onde havia se estabelecido com sua família. Quatro meses depois de dar à luz sua única filha.
Muito doente em Londres, Karl Marx não pôde viajar para o funeral. Seu estado de saúde começou a piorar em dezembro de 1881, com a morte de sua grande referência: sua esposa. De efeito devastador, pois, de pronto, perdeu o desejo de continuar a viver. Mas só viria a morrer em 14 de março de 1883, dois meses depois de sua filha Jenny.
Se tivesse que começar tudo de novo, Marx escolheria a mesma vida de revolucionário, mas não teria se casado – sua esposa sofreu demais por suas filhas terem ficado expostas ao mesmo destino de todos aqueles regidos por transformações radicais na sociedade, com a polícia nos seus calcanhares e sob a iminência de detenção imediata. Houve um período em que os Marx viveram mergulhados em pobreza angustiante. Marx sabia que, com sua decisão de se dedicar à filosofia e a serviço do socialismo, arrastaria sua mulher para uma vida insana de constantes mudanças de endereço, ora expulsos de Paris, ora perseguidos pela polícia na Bélgica.
Em 25 de novembro de 1911, Laura, a segunda filha de Karl Marx, foi passear em Paris com o marido Paul Lafargue. Eles foram ao cinema, se serviram de uma bomba de chocolate em uma doceria e se suicidaram logo que tornaram à casa. Eles haviam planejado milimetricamente a decisão de cometer suicídio. Antes de entrar no quarto, o casal deixou comida e água por vários dias para o seu cachorro Nino. Casados ​​há mais de 40 anos, Laura tinha 66, e seu marido, 69, quando ingeriram cianureto.
Lafargue deixou uma nota: “Estando saudável no corpo e no espírito, tiro minha vida antes da velhice implacável, que me privou dos prazeres e alegrias um após o outro, e que me despojou da minha força física e intelectual, podendo paralisar minha energia e quebrar minha vontade, tornando-me um fardo para mim e para os outros”. A morte do casal gerou uma enorme convulsão no movimento proletário, já que eram dois de seus maiores expoentes. Ambos traduziram a obra de Marx para o francês. O funeral deles em Paris tornou-se uma manifestação política com a presença de eminentes figuras, como Vladimir Lenin.
O nome que aparece no rodapé da obra é o de Karl Marx, mas não há dúvida sobre o importante papel desempenhado pelas quatro mulheres ao seu redor nessa construção. Sua esposa parecia ser a única capaz de entender a letra hieroglífica de Marx. Jenny pacientemente passou a limpo muitos de seus manuscritos. Mas ela também era escritora e pensadora política. Laura e Eleanor se puseram a coletar informações e traduzir suas obras, que ele escreveu principalmente em alemão. Era uma coletividade a serviço do marxismo. Elas sabiam que havia um trabalho teórico e político a ser feito e o realizavam. Mas não se tratava de um papel secundário de apoiar e elevar o nome do pai, pois nas três filhas encontramos uma dimensão própria. Jenny, Laura e Eleanor foram fundamentais na divulgação das ideias de seu pai.
Embora evidentemente ofuscadas pela figura icônica do pai e de seu compromisso social e político com a Humanidade, as filhas de Marx procuraram trazer à luz o inestimável valor teórico e prático da doutrina marxista, representando as mulheres do século XIX a enfrentar existências encurtadas por doenças que abundavam em face da saúde pública ainda incipiente, a perda de filhos ainda infantes, decepções com traição, mormente se dentro da casa de família entre patrão e empregada, e suicídios dentre inúmeras versões. O suicídio de Eleanor e Laura Marx em aparente contradição com o legado histórico do pai, Karl Marx.

Fonte: Filme “Miss Marx”, produção ítalo-belga, escrito e dirigido por Susanna Nicchiarelli.
Site de BBC News Brasil de 26/07/2020, título da matéria: KARL MARX, os finais trágicos das filhas do pai do socialismo científico. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53471254
No qual Margarita Rodrigues, autora da matéria, alude às fontes The Daughters of Karl Marx: Family Correspondence 1866-98 (“As Filhas de Karl Marx: Correspondência Familiar 1866-1898”), de Jenny Marx Longuet, Laura Marx Lafargue, Eleanor Marx Aveling e Olga Meier; Eleanor Marx: A Life (Eleanor Marx: Uma vida), de Rachel Holmes; The Legacy of Eleanor Marx (“O Legado de Eleanor Marx”), de Harrison Fluss e Sam Miller, em artigo publicado na revista Jacobin; Karl Marx: An Intimate Biography (Karl Marx: Uma Biografia Íntima), de Saul Padover; The Young Karl Marx (O jovem Karl Marx), de David Leopold; Karl Marx: Greatness and Illusion (Karl Marx: Grandeza e Ilusão), de Gareth Stedman Jones.

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Antonio Carlos Gaio
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