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A MUSA DE BONNARD

Em sequência ao tema “O Espiritismo no Cinema”, os próprios produtores e diretor desconhecem os sinais claros de espiritismo veiculado no filme “A musa de Bonnard”, sobre a vida do pintor francês Pierre Bonnard (1867-1947). A produção é de Les Films du Kiosque e France 3 Cinéma, dirigido por Martins Provost e estrelado por Vincent Macaigne e Cécile de France.

É natural na vida de qualquer pintor levar tempo para fazer vingar o seu estilo e as suas cores.  O trabalho mais maduro do pintor pós-impressionista começou a ganhar corpo após sua primeira visita ao litoral do sul da França, em 1909, no qual teve de se isolar para lidar consigo mesmo artisticamente. A atitude de observação de Bonnard intensificou a percepção de sua fuga para a esfera privada. Encontrou seus temas típicos nos momentos de silêncio na rotina diária e nas impressões de seus passeios, como também nos retratos íntimos de sua parceira Marthe de Méligny, sua modelo desde os seus primórdios e com quem viveu por 30 anos até se casarem discretamente em 1925.

Bonnard sempre se voltou para o mundo egoico de suas criações, mas não seria o renomado artista sem a presença de Marthe, que representou fonte de inspiração com seus nus artísticos para quase um terço das obras do pintor. Embora Marthe se frustrasse por não formarem um par romântico, enlouquecendo com as amantes de Bonnard e tornando-se obcecada em querer enjaulá-lo, se pudesse, para ele ser só seu.

Apenas um mês após o casório com Marthe, Bonnard embarcou num trem para a Itália e se casou com Renée Monchaty, sua modelo e amante de longo tempo, que realizou seu sonho de contrair núpcias em feérica recepção e residir numa bela vivenda ao melhor estilo italiano. Foi quando Bonnard chegou à conclusão de que nada disso enchia os seus olhos. Sem temer o embaraço que isso iria causar, imediatamente retornou para os braços de Marthe. Logo a notícia do suicídio de Renée Monchaty surgiu para abalar a confiança do casal. Mas em 1926, eles compraram uma pequena casa em Le Cannet, acima de Cannes, para proteger seu relacionamento e dar curso à carreira da própria Marthe, que também incursionou na pintura. 

No entanto, com o tempo passando, Marthe de Méligny foi denotando não ter assimilado o que havia sofrido no longo convívio com Bonnard, embora agora ele estivesse correspondendo ao seu amor e a cercasse de carinho, cuidados e atenções. Ela não queria se enganar de novo, se iludir, ficar à mercê de Bonnard, o que a compeliu a tornar-se cada vez mais alienada do mundo exterior, lentamente piorando seu estado físico-emocional, ao não aceitar a aberração de negar o seu próprio amor. Enquanto Bonnard andava pela cidade todas as manhãs fazendo esboços – trabalho preparatório para suas paisagens cada vez mais abstratas.

Durante a 2ª Guerra Mundial, a preocupação do pintor com sua esposa durante o inverno rigoroso de 1941 era descrito como “uma espécie de distúrbio cerebral que dura várias semanas” – hoje seria diagnosticado como demência. Ela morreu de um ataque cardíaco em janeiro de 1942, com 73 anos, depois de meio século de convivência com seu grande amor. Anos a fio o amor frustrado foi se transformando num nicho para a demência ir se instalando e corroendo sua alma.

Mal enterrou sua mulher, Bonnard resolveu se fechar em casa, lacrando todas as portas e janelas, em total desespero: “minha dor e solidão cheias de amargura e minha preocupação com a vida que ainda tenho pela frente”. 

Até que, no final de 1942, encerrado na prisão que ele mesmo escolheu para si, ouviu Marthe gritando seu nome. Foi abrindo todas as portas da casa, procurando-a por todos os cantos. Abriu as janelas, e nada! Mas observou alguém acenando do outro lado do rio que margeia sua casa e conseguiu distinguir Marthe, incentivando-o a tirar a roupa e cair n’água, conforme se divertiam outrora. Ele nadou até alcançar a outra margem para ela puxá-lo pelas mãos de dentro d’água de forma a se encaminharem através de uma vereda, de mãos dadas, rumo ao horizonte descortinado no fundo, direcionando o seu porvir. O Plano Espiritual não explicado, onde não precisariam esconder suas máscaras, podiam ser sua essência, na autenticidade de seus espíritos, sem mais se ferirem, um ao outro.  

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Antonio Carlos Gaio
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