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AMOR NA PENUMBRA

Nascido em 1847, Castro Alves foi neto de comerciante lusitano, filho de mãe nascida em berço de fazenda e de pai médico que se dedicou à clínica de homens livres e escravizados. No Brasil, reinava a cafeicultura escravista no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, e a Bahia, onde nascera, possuía a segunda população escravizada, com 300 mil cativos concorrendo com os 500 mil da corte no Rio. A Bahia vivia segundo padrões africanos aclimatados ao Brasil, efervescendo de negros, acorrentados ou libertos, enrolados em panos coloridos. A onipresença da população escrava em Salvador determinou a essência do baiano e influenciou a poesia antiescravista de Castro Alves, que se antecipara aos movimentos abolicionistas.
A crise do regime colonial acelerou a extinção do cativeiro nas repúblicas hispano-americanas, mas o Brasil se mantinha como a única nação escravagista que mandou o colonizador plantar batatas. A guerra contra o Paraguai serviu de pretexto para conter pressões emancipacionistas, os negros serviriam de bucha de canhão e iriam para a linha de frente. Quem lutasse, ganharia a carta de alforria, carta essa que Solano Lopez não possuía na manga. Prometeram até uma abolição da escravatura para 1900, e com indenização!
O maior poema abolicionista de Castro Alves foi “Navio Negreiro” – expressão posteriormente envilecida ao denotar a preferência nas conquistas amorosas. Ele tinha perfeita noção de vale quanto pesa, mas que de nada adiantaria auto-reconhecer-se, se o mundo imperfeito em que nos distribuímos se omite de assinalar e patentear o divino no talento. No caso, o seu. Viaja a Pernambuco, Rio e São Paulo para que avalizem suas facetas de ativista e poeta que se recusava a admitir que a situação da mulher é uma contingência que não cabe discutir.
A tuberculose matou os pais de Castro Alves e gerou sua primeira hemoptise, o que não impediu seu romantismo de impregnar poemas de castos cavalheiros que amavam platonicamente suas julietas e dulcinéias. Em contraste flagrante com o romance tormentoso vivido com a portuguesa Eugênia Câmara, artista dramática 10 anos mais velha e mãe solteira, que escandalizou a sociedade.
Quando ela partiu de volta à terrinha natal, Castro Alves acusou o golpe do rompimento e das dificuldades do abolicionismo, ferindo-se com um disparo acidental no calcanhar quando caçava no Brás, em São Paulo. Amputado o pé, sem clorofórmio, devido à sua raquítica condição, a depressão foi inevitável e embarcou para a Bahia buscando melhores ares. Em sua terra natal, Curralinho, buscando alívio para seus sofrimentos.
Lá reencontrou Leonídia Fraga, amiga de infância, que o acolhe e ampara nos meses que lhe restavam de vida, desenvolvendo por ele um sentimento profundo e irreal, contentando-se em raro conviver com o poeta famoso que derretia corações. Típico de mulher interiorana que prefere não revelar seu amor e viver um misto de angústia e prazer pela entrega desmedida e incondicional.
O que torna o amor puro e sublime, na visão do romantismo, ainda mais quando fingiu não ver Castro Alves se refugiar nos recantos do casarão colonial, em meio a lembranças que construíam devaneios melhores que sonhos, porque poderia intervir na felicidade e candura de passeios ao lado de sua amada, de olhos abertos.
Retribuiu com atenções e poemas dedicados à sua devoção, como em “Anjos da Meia-noite”, “serias tu, donzela casta / quem me tomasse em meio do calvário / a cruz da angústia, que o meu ser arrasta!”.
Depois que Castro Alves morreu em 1871, aos 24 anos, Leonídia casou-se com outro, teve uma filha que morreu aos cinco anos, e logo se separou. Fiel a uma paixão que marcou a sua existência, aos poucos se apartou da realidade e se acasalou ao passado em delírios, extinguindo a chama da esperança. A imagem viva da morte em vida.
Misericordioso, Deus permitiu a ela, na alienação, a felicidade plena e absoluta, almejada por todos os mortais. Ao longo de 14 anos, enquanto esteve internada no Hospício São João de Deus, em Salvador, desde 1913.
Ao registrar no estado civil a esdrúxula situação de separada do marido e noiva de Castro Alves, carregava uma trouxa com poemas manuscritos e receitas de doces preferidos do poeta. Nem mesmo quando veio a morrer aos 83 anos, permitiu que alguém pusesse as mãos sujas em sua trouxinha.
A tragédia suscita terror e piedade, o que não impede uma bela e triste história de amor, na penumbra. De Leonídia ou Castro Alves?

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Antonio Carlos Gaio
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