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ARRUMAR A CASA

O comissário José Dirceu, depois que jogou carga ao mar, livrando-se do Waldomiro das lotecas, voltou a falar grosso, entortando o erre mais do que nunca. Depois de engessar os xiitas, admitiu não ser um robô e revoltou-se com o lado zen de Palocci de não ter fixação pelo poder – equivale a derrotismo. E converteu-se na outra face de José Sarney, na confissão explícita da evolução da espécie dos Zés, ao retocar fatos em tantas versões quantas forem necessárias para explicar o dito cujo. Pois não é que o homem não se cansa de esposar concepções e teses da bagagem tucana, pressionado pelo exercício do poder. Quando põe a voz no trombone, parece um presidente.
A última pérola foi assestar suas baterias contra o Ministério Público, que, através de pequenas células, verdadeiras polícias secretas, investigaria acima da lei, pautado por interesses eleitorais. Do mesmo jaez de FHC e Eduardo Jorge, que acusavam o PT de se servir das investigações dos procuradores para engrossar o discurso de oposição e chamar aos costumes o poder de então. Acostumado ao patrulhamento ideológico, Dirceu quer agora pautar o Ministério Público – uma oposição que se perdeu no caminho de Meca.
O temor do abuso não pode ser um pretexto para amordaçar o Ministério Público, o maior foco de democracia nos últimos quinze anos. Tentativas solertes para impedir avanços, como no combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. Dentre os seus maiores feitos, a prisão do juiz Lalau, a Operação Anaconda (negociação de sentenças judiciais com juízes), a Operação Farol da Colina (doleiros que evadiram divisas de envolvidos no caso Banestado), a Operação Vampiro (compra fraudulenta de hemoderivados) e a detenção de Ali Babá e os 40 ladrões da SUDAM.
Quem está no poder treme só de ouvir falar em investigação por conta própria, ainda mais em se tratando de dinheiro de campanha eleitoral que vai parar em paraísos fiscais. Nem sempre a polícia tem independência para comandar sozinha inquéritos sobre seus próprios elementos – predomina o corporativismo. Também pudera, se o passado sujo busca guarida nas urnas! Uma média de 30% dos candidatos do Estado do Rio de Janeiro responde a processos por homicídio, estupro e tráfico de drogas. Basta acenar com dinheiro e votos que os partidos abrem as pernas.
Se a nossa democracia não prima pela igualdade de oportunidades, que pelo menos tente recuperar o prestígio das instituições políticas, a começar pelo alto número de candidatos com antecedentes criminais. Há que se viabilizar e garantir o acesso de nós, eleitores, ao prontuário dos futuros parlamentares, para não falar de explicações pormenorizadas sobre a evolução de suas fortunas e os negócios a que estão habituados, em suma, por onde circula a bufunfa. Tornar o privado de conhecimento geral, no interesse público.
Enquanto pairar dúvida sobre idoneidade, a conduta sempre estará em julgamento. Isso sem contar a falta de coerência com seu passado político, se julgar acima do partido a que está filiado – os suprapartidários – e transformar promessas de campanha em meras referências para se eleger. Portanto, não cabem crises de irritabilidade se os governos ainda não aprenderam a conviver com o funcionamento pleno das instituições dentro do Estado de direito, por mais que as investigações sejam incômodas.
Irascíveis podemos nos arrogar ser. Com o Poder Judiciário que arrasta processos, como o do Banco Nacional, cuja decisão em primeira instância consumiu quase uma década. Comprometendo o Poder Legislativo, que não consegue simplificar o ritual processualístico e encurtar os corredores da Justiça, para nos dar a ilusão de que existe uma ética. Atribuir à burocracia o kafkiano imbróglio, só rindo do roto falando do esfarrapado. É falta de vontade, falta de apetite para meter a mão na massa. E quanto mais se prolonga o impasse, iracundos restamos e decretamos que só pode ser de propósito. A inépcia. Um sentido de autopreservação – inconsciente? -, pois o uso do cachimbo faz a boca torta.
Pena que esses eminentes homens públicos tratam de arrumar suas casas primeiro.

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Antonio Carlos Gaio
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