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DESAJEITADOS

Podiam também ser chamados de desafinados numa paródia à música de Tom Jobim e Newton Mendonça que João Gilberto desafinou divinamente.
Desajeitado é ter duas mãos esquerdas porque a direita não funciona. Derrubar o prato de cabeça para baixo. Pingar colírio na narina e descongestionante nasal nos olhos. Enfiar o dedo na dobradiça e fechar a porta. Ao se servir na mesa, segurar a travessa saída do forno pelas abas. Derramar a taça de vinho em ato reflexo a uma tolice ouvida. Ao se reclinar sobre o vapor da sopa escaldando de gostosa, embaçar os óculos. Ao sorver os primeiros goles, respingar-se apesar do babadouro. No bebedouro, injetar o jato de água na narina ao invés da boca.
Desajeitado é calçar sapatos trocados, dar topadas na quina da cama, deixar cair a chave do carro no bueiro, derrubar a única árvore do quintal para construir uma piscina e derrubar sua casa.
É comentar com seu melhor amigo, que irá hoje lhe apresentar sua nova paixão, olha só quem está chegando no pedaço, que mulher gostosa, com essa eu até me casava, e era a mulher do amigo.
É observar pelo retrovisor os beijos e amassos que sua filha dá no pilantra que conheceu em Búzios e beijar o poste.
Desajeitado é o homem que mija sem levantar o tampo da privada, é a mulher que exige o preservativo a um passo da penetração, é o mendigo pedindo esmola na porta do cinema e tossir nos seus córneos, e ainda se enraivecer com sua reação discriminatória.
Em sendo coroa, é se fazer de menina, jogar charme, botar uma saia curta e ficar puxando pra baixo tentando cobrir sua parte mais íntima. E ninguém chegar junto, a não ser o “não é bem isso que eu quero!”.
É não ter jeito o cara que recebe da noiva insegura mais de quinze mensagens no celular e não conseguir dar um fim na sua animalidade com a primeira vaca que encontrou.
Desajeitada é a mulher se levantar abruptamente da mesa de restaurante em revanche ao homem não seguir o roteiro da conquista prescrito por ela. É a mãe ser menos mulher que a babá.
Desajeitado é lançar perdigotos na sua cara sem lhe dar o direito de defesa. É o bom samaritano a querer decodificar os hipócritas tanto quanto teimam em te enganar.
Ou seria estabanada, quem faz o asseio matinal e encharca a pia do banheiro? Também pudera, trocar os óculos por lentes de contato e se ver gorda, com celulite e caída nos culotes, é melhor continuar míope!
O desespero aumenta com o diagnóstico do Censo 2000 de que falta homem no mercado associado à pirâmide da solidão feminina criada pela demógrafa Elza Berquó. Os homens dificilmente ficam sós, escolhem garotas mais jovens, olham para baixo da pirâmide etária onde a base é mais larga. Enquanto que para as mulheres está cada vez mais complicado encontrar um parceiro a partir dos 35 anos, olham para o alto da pirâmide, que é mais estreito. Que remédio, se as mães continuam a criar os filhos da mesma forma, incapazes de lidar com esse novo ser da mulher.
O choro é livre se não agüentam os fantásticos domingos com aqueles gordos com cara de sapo nas mesas-redondas de futebol, a tampa do vaso levantada, a chopada com os amigos, a pelada com os colegas de trabalho e a indiferença diante de mechas e seios que disputam a primazia com decotes. Por via das dúvidas, seguro morreu de velho, joguem as lentes fora, é a era da bunda, o culote que se dane!
Quem nos confidencia é a vítima do golpe Boa noite, Cinderela. Vai-se a uma boate, cerca-se de amizades promissoras que dopam sua bebida e acorda com a polícia batendo à porta de sua casa para saber se o seu carro batido é o mesmo que atropelou inocentes no ponto de ônibus. Olha em volta e o apartamento revirado revela um vazio existencial na carteira, em cima dos móveis, nas gavetas e armários, no porquinho, o cofre.
No que enfia as mãos nos bolsos traseiros do jeans, sente que por lá também andaram passando e começa a cantar confuso: “o orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu, e também vão sumindo, as estrelas lá do céu, sentimental eu sou…”. Desajeitado também.

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Antonio Carlos Gaio
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