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NÃO PROCURO SARNA PARA ME COÇAR

Nada me impedia de te rever. Tenho todo o tempo do mundo. Mais, tinha vontade. Gostei muito de teu telefonema, porém não consegui passar da intenção ao ato.
Sabe o que me travou? Eu detesto mormaço, mas adoro a palavra. Se o céu ainda estivesse nublado, com um ventinho fresco e uma luz metálica para fazer minha saudade ir até aí e comermos juntos uma feijoada, vá lá.
Mas não adianta, eu sou um escroto de preguiçoso incorrigível.
Você foi importante até o século passado; valeu a pena! Todavia eu precisava partir naquele momento. Estava demorando demais, virou um parto. Não podia ficar empacado justamente no umbral da porta. Não nutria a menor vontade de me aperfeiçoar e desenvolver. Se quiser um exame profundo e detalhado, irá se frustrar, pois minha vida foi das mais comuns e não há nada de realmente extraordinário a revelar.
Você já passou pela experiência de alguém lhe fazer um pedido encarecido, para depois te dispensar sumariamente, apenas porque você não agradou e não correspondeu aos anseios dela?
Mas eu não desisti de tudo. Só parei por um tempo. Confesso que estou completamente desencorajado. Por duas razões, pelo menos. Primeira: perdi, em você, minha fonte de estímulo e reconhecimento, fundamentais para soerguer meu ânimo e crença em ser criativo. Segunda: estou cansado de correr atrás. De me fazer visível, procurar, pedir, telefonar, importunar, de me midiatizar, em suma, de me vender. Mesmo porque eu não gosto de dever nada a ninguém.
Contudo, continuo a observar atentamente as pessoas, os eventos, por onde o mundo se desenrola. Vivi a minha vida, dei o meu recado, acho que não me saí mal e não tenho mais nada a provar. Tenho um filho cabeça feita, que não irá ocupar meu lugar, posto ele já estar se assentando no seu próprio caminho. Mas não jogo todas as fichas nele para satisfazer a vaidade de um pai que se realiza através do filho.
Uma coisa é certa: não procuro sarna para me coçar. Elimino toda fonte possível de problemas que vão me dar trabalho ou dor de cabeça. Desconectei-me de obrigações inúteis e também de presunções. Tampouco me refugio nas minhas memórias – não tenho nada do que fugir. Quando a imaginação incendeia meus desejos, recorro à masturbação. Não é o ideal, mas é melhor que nada. Ao menos, não traz consigo o perigo, além de ser prático e não custar nada.
Vivo sereno. Por isso, não atribuo a mim um descrédito em meu trajeto.
E quando a morte vier me abraçar, eu a farei me prometer que ela será rápida e indolor. Juntos, iremos pelos ares, a gargalhar, rumo ao Paraíso, pois lá me esperam todos que, como eu, descobriram que rir da vida é preciso.

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Antonio Carlos Gaio
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