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INHACA

O odor pode desencadear desejos inconciliáveis que o tirem do sério, uma sensualidade concomitante ao asco que exala. Quando vem do todo, mesmo à distância, e deslancha um mistério a ser desvendado, mesmo que o cheiro provoque uma repulsa que obstaculize a aproximação. Não que o cheiro concerna a lixo, pútrido como a cabeça de peixe, químico como a amônia, ou em decomposição como a banana que os morcegos adoram. A curiosidade desperta, posto que não é só o nariz que eriça em posição de olfato. A boca também degusta em combinação com a língua, para explorar de onde vem aquele cheiro estranho que seduz e afasta. Das axilas? O mais normal, mas não é, seria azedo. Do mau hálito? Não, a bílis é inconfundível. Do chulé? Não, logo empesteia o ambiente. Do cabelo? Não, apenas xampu barato. Má digestão? Não se cogita, descarta-se de cara. Restou a ação sudorípara de sua personalidade que acende um rastilho de pólvora que alcança as partes pudendas, seja de fato ou por imaginação. Somente examinando a inhaca in loco para se tirar a dúvida. Até lá, a causa já justificou o efeito.
Quando se fala em odor, automaticamente já se sente a fragrância dos perfumes franceses que oscilam, em seus extremos, entre o veneno que atrai para trair e o doce balanço que fascina para alienar. Embora se costume depreciar a pouca freqüência com que a parisiense toma banho, tornando a fusão do bodum com o inebriante olor uma infusão que repele. Nada que se estranhe, pois o queijo camembert afasta os neófitos que não sabem o que estão perdendo. Qualquer comparação não é mera coincidência.
Diz-se o mesmo da inhaca de idosos, como que anunciando a passagem para a morte em breve. De somenos importância, pois trafegam entre nós mulheres que ainda cheiram como se crianças fossem. Para reforçar, usam até água-de-colônia. Há quem diga que é um sinal inequívoco de imaturidade, não evoluiu o suficiente para adquirir a inhaca de nossos malignos defeitos que orgulhosamente incorporamos ao nosso trajeto.
A inhaca padece de uma discriminação que estigmatiza raças. Entrechoca as diferenças entre o banho de banheira, de ducha e de asseio. Agrava o fantasma da eugenia, em pretender dar um basta nos incapazes sujos, ampliando a questão do mau cheiro para a negação completa do indivíduo, onde concorrem outros fatores que não somente a simpatia. Por que descaminhos a inhaca não nos levaria, se não houvesse o amor em jogo? Sempre. Com uma atração sexual brigando com o cheiro inconfundível de ser de cada um.
E pensar que o amor de verdade impregna o travesseiro, o lençol, a alcova e a poltrona preferida. Que falta não faz na sua ausência ou se a separação é irreversível. O único momento em que a inhaca se torna sublime.

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Antonio Carlos Gaio
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