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DONA MARIA E A AURORA: Dona Maria e as mídias sociais

OLHOS DE GUERRA

Lama e luar nos olhos
Cansados de guerra
Por trás da sujeira
A liberdade desperta

Ela procura a beleza
Na esteira das vaidades
Na tristeza verdadeira
No seu álbum de saudades

Dona Maria tinha uma relação complicada com a internet. Quer dizer, isso é o que geralmente acontece com as mulheres como ela. Aquelas que olham as telas dos tais feeds de mídias sociais. Na sua época – ela já começou a se expressar assim, isso indica uma certa idade… – ainda havia uma ilusão de paz. “Nem existia Facebook!”, ela confessava, já com vergonha, para seus conhecidos mais jovens. Na verdade, nem existia internet. Os primórdios da web vieram quando ela ainda estava na faculdade, na aurora da idade.

Nos tempos de mídias sociais, ela quase não botava a face nos books, nem via Facebook, mas entrava no Instagram. E aí, “tcharam”: dava uma espiada no look de tantas meninas belas rolando na tela. E se belas não eram, seguiam exemplares rotinas e tudo postavam. Como tão fortes elas estavam?! Até quando demonstravam fraqueza. As suas narrativas eram uma beleza! Tudo podia. O empoderamento da web as (lhes) permitia. Dona Maria achava tudo o máximo, e por dentro sofria.

Ela as admirava, mas não entendia: “como elas têm tanto tempo em um só dia? Tem vezes em que nem consigo parar pra olhar no espelho, que dirá me postar sarada, maquiada, bem vestida, em boa companhia”.

Então, lembrou que antes da era das tais mídias, antes sequer da internet discada, ela já tinha sido afetada pela pressão do mundo sobre a mulher. Sua adolescência foi um eterno “mal me quer, mal me quer”. Com alguns raros “bem me quero” no meio. Quando ela conseguia comer relativamente bem por dias inteiros, e perdia os quilinhos extras, esses hospedeiros.

O estômago de Dona Maria hoje sofre e denuncia: ela comia em demasia e foi vítima de gordofobia. Nem era gorda, nem nada, mas a mãe dela assim a via e reclamava. E ela, “Maria vai com a mãe” que era, não questionava, sofria. Queria ser amada. Como não se sentia amada, comia. E também dormia um bocado…

Mas o fato é que hoje a rede social era a via para a mesma agonia. Sabia que precisava dela, mas nem sempre ela lhe era boa companhia.

Como os casos de adolescentes com autoestima afetada que ela lia. “Será que isso acaba algum dia?”, ela se perguntava, sentada na sala mal iluminada, escrevendo no celular suas idiossincrasias.

E foi assim que ela começou a escrever poesia, quando ainda criança. Quando não foi correspondida pelo seu primeiro amor de infância. Como escrever lhe curava!

E por falar em escrever, Dona Maria tinha mania de rimar, já contei? Acho que é por isso que estou tentando fazer como ela. Não sei se consigo imitá-la, mas pelo menos tento. Acho que também tenho talento. Rimamos juntas, eu e as versões de Maria: a escritora que narra, a Maria que está na sala e a donzela, que antes foi a menina amarela.

E aqui vem um “crossover” legal. Você sabia que o primeiro livro infantil que escrevi é chamado “A menina amarela”? Foi assim que Dona Maria me escolheu pra contar sua história. Ela também já foi a menina amarela um dia. Aliás, ainda é, mas isso é outra história.

A menina amarela não conta toda a infância dela, nem a minha. Claro que não. Mas tem algo de brincadeira e imaginação que serve pra muitas de nós. Dona Maria não lembra direito da infância, não sabe exatamente onde sua beleza acaba e sua tristeza começa. Sua memória parece que ficou prejudicada a partir da adolescência. Se ela não me diz quais são as exatas datas em que se sentiu abandonada, como é que euzinha aqui vou saber? O que importa é que no meio de tantas histórias, a memória da narradora resistiu. Ela me revelou suas memórias com relatos escritos nas madrugadas. A escritora nela sobrevive à dor. É sempre por aí o nosso caminho.

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Antonio Carlos Gaio
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