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NO CONFESSIONÁRIO

Chiquinho estava agitado. Misturados ao seu alívio e àquela preguicinha boa que dá logo após uma relação sexual, havia no ar uma agonia, um desespero. Sabe quando um claustrofóbico fica confinado com várias pessoas num elevador minúsculo? A sensação era exatamente essa.  Era a tradicional angústia que lhe tomava o corpo sempre depois do prazer. O que não o impedia de ter a próxima relação. Pelo contrário: só aumentava a vontade de entrar em ação. Era como se, para compensar a angústia, ele tivesse que embarcar nas delícias do sexo novamente. Aliás, parecia até que Chico ansiava por essa inquietude. Estranho. Por isso, José Francisco da Silva resolveu se confessar.
Dom Geraldo adorava ouvir relatos de luxúria. Aquela divisória de madeira entre ele e o penitente era perfeita para esconder sua inevitável excitação. Ainda mais quando o pecado da carne era confessado por uma voz masculina. Geraldo tinha que fazer um esforço infernal para não demonstrar seu desejo se avolumando. E a culpa por trás daquelas palavras em especial era um verdadeiro bálsamo para seus ouvidos. Geraldo enfim sentia-se compreendido. Como ele queria derrubar aquela parede!  
Por isso, Geraldo não se aguentou de curiosidade e inquiriu o penitente:
– Mas por que praticar o amor tanto lhe angustia, meu jovem? Acaso não é casado?
– Sou sim, seu padre. Muito bem casado, graças a Deus.
– Mas, então? Estaria o fiel cometendo o pecado do adultério?
– Tô e num tô, excelência.
– Não compreendi. Explique-se, por obséquio.
– É que está tudo em família, não sabe? Na verdade, acho até que fiz um bem à minha esposa.
– O senhor está querendo afirmar que trair sua esposa é uma atitude generosa?
– Vou lhe contar como tudo começou, pro senhor me entender. Quando casei com a Josefa, ela tinha uma filhinha linda, branquinha como a neve, com os cabelos assim cheios de voltinhas. Parecia um anjinho. Só que ela tinha um problema, sabe? Problema de cabeça. O disgramado do pai só sirviu pra fazer essa menina com defeito e depois meteu o pé.
– Meteu o pé na filha?
– Não, seu padre. Meteu o pé, fugiu, foi embora.
– Ah, sim… Continue, meu filho, continue…
– Então a garota – ela se chama Jéssica – foi crescendo cada vez mais bonita e cada vez mais maluca. Era um sofrimento pra minha mulher, coitada. E pra menina também. Ela não pode ser feliz assim com esse problema, não é seu padre?
– Deus sabe o que faz, meu filho. Mas e o que aconteceu com a Jéssica?
– O que aconteceu foi que eu comecei a sentir umas coisas estranhas. Toda vez que estava lá no “bem-bom” com a minha nega, só conseguia pensar na Jéssica. Um dia quase troquei o nome da mãe pelo da filha.
– Sim. E o que mais?
– Então um dia a Jéssica tinha ido numa festa à fantasia no colégio. Josefa vestiu a menina de princesa. E ela estava mesmo uma princesa. Parecia ter saído daqueles desenhos animados da televisão, sabe? Ela estava com sete anos na época.
– Sei. A princesa…
– É, seu padre. Você precisava ver que coisa mais linda! Era muita tentação. Tanto é que Deus me ajudou.
– Como Deus lhe ajudou?
– A jararaca da minha sogra ligou lá pra casa porque tava passando mal e a minha mulher foi correndo pra casa dela. E foi assim que eu fiquei sozinho com a princesa.
– Você quis dizer: a Jéssica.
– Seu padre, ela lá, maluquinha, toda lindinha de princesa, eu podia fazer qualquer coisa que ninguém nunca ia saber, não é mesmo? A bichinha nem falar fala!
– E o que você fez, filho?
– Ah, padre… Foi a primeira de muitas noites maravilhosas. Mas eu fui carinhoso com a menina, não sabe? Acho até que ela sorriu. Coitada, tem uma vida tão disgramada com aquela sem-graça da Josefa o tempo todo do lado dela, que eu acho que quando ela está sozinha comigo tem os momentos mais felizes de sua vida.
– Josefa é a sua esposa, a mãe da Jéssica?
– É, seu padre. A velha. A Jéssica não. É nova, linda, branquinha. O problema é que ela não para de crescer e eu já to começando a achar que a menina vai ficar igual à minha patroa.
– Mas o que sua patroa tem a ver com essa história?
– Não, seu padre. Minha patroa é modo de falar. Minha patroa é minha mulher.
– Ah, tá…
– Pois é, seu padre. A menina tá crescendo, mas isso não é nada, porque tem também a irmã menor dela. Eu te falei da Janete?
– Não, não falou não.
– A Jéssica tá agora com quatorze anos e a Janete, com nove.
– Mas a Janete também tem problema mental?
– Que nada, homem! Ela é normalzinha da silva. E também é uma princesa. Ainda mais bonita do que a Jéssica, porque é mais nova e inteligente.
– Então, com essa você não faz nada, né?
– Que isso? Aí é que eu faço mesmo. É muito melhor. Porque primeiro, quando eu comecei com ela, fui aos poucos e ela foi gostando, sabe? Dizia que sentia cosquinha, dava umas risadinhas lindas. Depois, ela começou a chorar. Não sei o que deu na menina.
– Não sabe…
– Não sei, padre. Com ela eu sou ainda mais carinhoso do que com a mais velha. Essa sabe falar e não é maluca, né?
– Mas e a patroa, meu filho, não sabe o que você faz?
– Que nada! Ela pensa que eu tenho outras, porque eu não procuro mais ela, sabe? Mal sabe que as outras dormem no quarto ao lado!
– Então o senhor está aqui por que se arrependeu dos seus pecados e quer uma penitência?
– Não é por isso não, padre. É porque a pequena ficou grávida, os médicos descobriram e está todo mundo querendo acabar com a vida da minha filha que nem nasceu ainda. E eu não acho isso certo.
– É, filho. Não é certo mesmo. O que você fez é errado, mas o que eles estão fazendo é mais errado ainda. É um pecado literalmente mortal. Ainda bem que você me avisou.
– Por que, seu padre? Vai me ajudar?
– Vou, meu filho, mas primeiro eu preciso que você me dê o nome desses assassinos que estão querendo abortar o seu filho.
– Tá bom, padre. Mas e eu, fiz mesmo alguma coisa errada?
– Fez, filho, fez.
– Mas eu quero consertar isso. Vou cuidar bem da minha filha. Já pensou se ela nasce tão linda como a Jéssica e a Janete?

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Antonio Carlos Gaio
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