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COM QUE ROUPA

“Agora eu vou mudar minha conduta, eu vou pra luta, pois eu quero me aprumar. Pra poder me reabilitar, pois esta vida não está sopa, eu pergunto, com que roupa, eu vou!”. Em uníssono, as mulheres cantam com Noel Rosa. Preocupadas em dar um rumo à vida do homem, como corrigi-lo de forma que se torne adequado a ela. Disfarçam palpitando sobre como deve se vestir e rearrumar-se, já que, por dentro, o futuro nos reserva Matrix.
Ameaçam reverberando com “eu vou te mudar da cabeça aos pés”, antes de sequer tê-lo beijado, muito menos iniciado o namoro. “Você precisa de um personal style”. Mudar o corte do cabelo, escanhoar ou aparar a barba, depilar com cera o chumaço do ouvido, embranquecer os dentes, botar aparelho para ter um belo sorriso e não causar maiores vergonhas, afinal é o seu cartão de visita. Diminuir a barriga para não pesar quando repousa sobre a sua. Se bobear, lifting no rosto, olhos e pescoço, correção da orelha de abano, preenchimento nas bochechas, lâminas de porcelana nos dentes, tingir o cabelo de louro para esconder os grisalhos. Os sapatos, se tronchos e mal-acabados, revelam o caráter.
Elas tremem quando cuecas sujas são largadas ao chão, como se houvesse serviçais para lavarem. Abominam o pingo do mijo na tampa da privada, a toalha embolada em cima da cama, ou o uso abusivo do palito nos dentes, que só revelam o podre que se anuncia. O mau hálito que assinala o fim do bebê, da criança, do rapagão, do homão, e acentua o amargo do rabugento, do descrente crônico e da química que revela a disfunção. A inhaca que o aproxima do defunto.
Vivemos uma era pré-clonagem. A indústria da estética nos transformará em cobaia, modificando radicalmente rosto, corpo e auto-estima, de forma a causar um impacto visual com perspectivas ilimitadas que abririam o portal profissional e amoroso. Resgatar-se-ia anos de ressentimento com sua imagem bostejada, para investi-lo numa outra que será construída, fazendo-o renascer das cinzas. Faltando encaixar-se numa nova identidade – como se dependesse de sua vontade!
Confunde-se roupa com elegância, no afã de resgatar um estilo que diga quem você é. Ou quem você quer que seja, na esperança de mudar a forma de ser. Que mal lhe pergunte, ao chegar junto de quem lhe eriçou o pêlo, por que alterá-lo de cabo a rabo? Pressuposta de que canalizar suas fantasias garantirá sua satisfação se conseguir amoldá-lo a seu jeito. Amar é uma questão de imagem? Pois se é preciso admirar para querer bem! Admirar o quê, a aparência, idéias nem sempre nítidas ou o carisma ilusório?
No instante em que você mergulha na missão de mudar o amado, sinaliza que deseja continuar você, fácil é adulterar o invólucro. Um reflexo de quem não abre mão de aviar receita médica e encomendar pacotes, sacando do seu arsenal fórmulas e soluções as quais não aproveita.
Nem mesmo a maturidade assegura a transformação de diferenças que, ao invés de afastar, justamente aproxima.

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Antonio Carlos Gaio
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