Marlon Brando nasceu e morreu do mesmo jeito: de causas não reveladas para explicar o “pirado” que sugeriu ao Bertolucci, em “O Último Tango em Paris”, a famosa cena da manteiga que entrou nos anais da história do cinema. O rebelde que tornou célebre a imagem de motoqueiro com casaco de couro no filme “O Selvagem”, de 1954. Quando quem levou a fama foi James Dean em “Juventude Transviada”, mas que não suportou sobreviver sem causa, morrendo num acidente de automóvel. Ambos contemporâneos do lendário Actor’s Studio, cujo estilo naturalista sobrepunha o personalismo à caracterização do personagem, falando para dentro e com uma tensão predominando sobre a impostação, que atraía todas as mulheres do mundo. Sem que uma sequer exigisse casamento em troca do sexo, uma norma anciã ainda em voga na década de 50.
Emblemático de seu tempo, ao reunir talento e beleza, incorporou o personagem Kowalski de “Uma Rua Chamada Pecado”, de 1951: o estilo cafajeste que traça a esposa e a cunhada, pirando a última, internada num sanatório. O que nem assim assustou o eleitorado feminino, enfadadas com seus maridos que, ao preferirem secretárias, solteironas, domésticas e putas, não as satisfaziam sexualmente. Como através de equívocos se chega à depuração, poder-se-ia dizer que o efeito Marlon Brando abriu caminho para o feminismo. Graças à sua capacidade de retirar a fã da poltrona e colocá-la em seu colo, num contato íntimo reservado às amantes.
De mito, virou mito de si mesmo. Zapata, Júlio César, Napoleão, pai do Superman e psiquiatra do Don Juan. Um percurso eletrizante de um cavalo sem rédeas, de uma lancha sem piloto, de um esquiador que confia na neve pavimentando abismos. Mais um inconformista que nasceu sob o signo da alucinação, ofuscando o senso de autopreservação. Até cair de pára-quedas no Taiti, em “O Grande Motim”, de 1962, quando se apaixonou por Tarita, a estrela do filme, e comprou uma ilha para construir seu refúgio – inspirado em Gaugin.
Mas foi no papel de Don Corleone que se consagrou em definitivo, graças à insistência de Coppola em ressuscitá-lo. Numa interpretação de poucas falas, e parecendo que tinha um ovo na boca. Para alguns, caricato, mais imagem do que ator, em batalha interna terrível ao se opor à adoração de sua imagem, na qual se consumiu melancolicamente. Bebendo e comendo todas, torrando dinheiro a rodo, tornando-se patologicamente obeso e, por fim, castrando-se.
Imagem vista a cores e em tela grande em “Apocalipse Now”, de 1979, como um deus magnífico e assustador relegado ao ostracismo de um ermitão. A perda de interesse confundida com homossexualismo. O excêntrico e imprevisível Brando estatelado diante do seu crepúsculo. Em que assistiu ao destino de um herói lentamente se embaçar e perder o foco, quando seu filho Christian matou o namorado da irmã Cheyenne e insinuações de incesto marcaram o julgamento, levando ao suicídio dela posteriormente.
Para salvaguardar a família da dissolução, contratou um esquadrão de advogados e agravou seu endividamento, que o forçou a atuar em produções que exteriorizaram sua decadência. Terminou seus dias sozinho num quarto-e-sala, restando como única companhia seus dois Oscars – por obra e graça de “Sindicato de Ladrões”, de 1954, e “O Poderoso Chefão”, de 1972.
Na síntese do crepúsculo de um mito, a própria evolução do ser humano, senão a dele, mas a de outras mulheres que se serviram do crepúsculo de machos e deram um salto para o futuro. Marlon subiu as escadas da glória por entre seus diversos personagens e despencou como reflexo de suas performances serem conseqüência direta do seu ambiente familiar – palavras dele.
Imerso no paradoxo de considerar-se um filho indesejado de nós que gerimos o planeta de forma responsável, ele vasculhou os confins à procura de uma identidade que nos parecesse aceitável.
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