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DESAFINADOS COM O SUCESSO

Carmen Miranda retorna ao Brasil em 1954 para certificar-se de que era amada e admirada. Morreu no ano seguinte, tão distante da Pequena Notável que saiu daqui em 1939 para conquistar a América. Uma baiana estilizada com turbantes e tamancões, a irresistível brazilian bombshell, que não tinha o samba no pé e torcia o nariz de críticos da laia de David Nasser, que assim falara como Zaratustra: “Não ter posto os pés nas nossas praias nos últimos anos é uma atitude que fere, magoa e insulta o povo brasileiro”. Seu incontestável triunfo nos Estados Unidos, até se medido pelos padrões hollywoodianos de atriz mais bem paga dos anos 40, é a prova de que a musa do tropicalismo que inspirou a estética gay foi uma das pioneiras da excelência da nossa música.
Villa-Lobos varou o Brasil afora aos 18 anos à procura do uirapuru e descobriu seu som, ao inserir a cultura popular e o folclore na música de concerto. Praticou todas as formas de música clássica, deixando os conservadores de cabelos em pé, e alinhou-se com as vanguardas da época, sendo vaiado na Semana da Arte Moderna de 1922. Achavam-no prolixo e viam irregularidade nas mil obras produzidas com muita rapidez. É a mania de se exigir obra-prima de gênio, a cada peça, quando jorrava de sua imaginação um Amazonas musical. Sua adesão ao Estado Novo propiciou comparações de ego com Getúlio Vargas, ao organizar a educação musical brasileira com demonstrações grandiloqüentes de canto orfeônico, geralmente de exaltação à pátria. Ele se foi levado pelo “Trenzinho Caipira” por entre as 9 “Bachianas Brasileiras”, mas sua alma permaneceu indelével como a “Primeira Missa no Brasil”, em que mixou a música indígena com o canto gregoriano.
Quando “Sabiá”, parceria de Tom Jobim com Chico Buarque, venceu o Festival Internacional da Canção de 1968, o público vaiou. Preferia a segunda colocada, “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré, que virou hino dos anos de chumbo. O golpe militar fez crescer o sentimento antiamericanista e Tom Jobim construía sólida carreira nos Estados Unidos. Gravou um disco com The Voice, “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim”, escolhido pela crítica americana como o melhor álbum vocal de 1967. Sua réplica ficou famosa: “Sucesso no Brasil parece ser uma agressão pessoal”. Por ironia do destino, “Sabiá” – vou voltar, sei que ainda vou voltar, para meu lugar – acabou se tornando hino dos exilados, até mesmo para Tom Jobim.
É por essa e outras que João Gilberto não dá papo e vive no exterior. “Desafinado” é o abre-alas do carro-chefe da bossa nova, “Chega de Saudade”, pois já fazia referência ao novo estilo em que os críticos começaram a fazer troça da desafinação dos cantores. Os mais velhos diziam que era música para gente boba: É só isso o meu baião / E não tem mais nada não / O meu coração pediu assim / Só bim bom bim bom bim bim. Ridicularizavam “Bim-Bom”, “Lobo Bobo” e “O Barquinho”.
Com o mesmo tom reacionário que usavam para se referir ao rock, botando pra baixo os jovens que iriam revolucionar a década de 60. Que se sentiam como a Julieta em “Bolinha de Papel”: Só tenho medo da falseta / Mas adoro a Julieta, como adoro / Ah, Papai do Céu / Quero seu amor minha santinha / Mas só não quero que faças de bolinha de papel / Tiro você do emprego / Dou-lhe amor e sossego / Vou ao banco e tiro tudo pra você gastar / Posso oh Julieta lhe mostrar a caderneta / Se você duvidar.
Saudemos o nível do reacionarismo que diminui a olhos vistos. Mas por que tanta má-vontade de antemão com alguém que já se sabe que veio para ficar? Na imagem. Na retina. Na memória. Nos sonhos. No exemplo. Em ajudá-lo a descobrir-se. Para onde você vai. Faça a sua parte, já ajuda. E cantemos com Billy Blanco “A Banca do Distinto”:
Não fala com pobre, não dá mão a preto / Não carrega embrulho / Pra que tanta pose, doutor? / Pra que esse orgulho? / A bruxa, que é cega, esbarra na gente / E a vida estanca / O enfarte lhe pega, doutor / E acaba essa banca / A vaidade é assim, põe o bobo no alto / E retira a escada / Mas fica por perto esperando sentada / Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão / Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal / Todo mundo é igual, quando a vida termina / Com terra em cima e na horizontal.

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Antonio Carlos Gaio
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