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ENCHER A BOLA DEMAIS

Por puro amadorismo, singeleza d’alma e espírito ainda não tragado pelas vicissitudes da vida, enchemos a bola de alguém com um entusiasmo desproporcional ao caráter do indivíduo em questão, aqui tratado por Zero.
Porque simplesmente admiramos Zero. Ele caiu nas nossas graças, de pára-quedas. Nos fez encher os olhos e nos dá ganas de cobri-lo de elogios. Desligamos o telefone só para nos concentrarmos na conversa, porque ele virá com um ponto de vista que foge ao padrão encontradiço. Nunca um amigo sentou-se ao seu lado e mostrou-se tão disponível para separar o joio do trigo e ajudá-lo a ver as coisas menos turvas. Se nele enxergamos defeito, guardamos na gaveta. Não adianta peru de fora dar palpite porque qualquer intromissão será encarada como inveja do crédito ao Zero. Como quebra-galho, torna tudo mais fácil para você! Se é por amor, então, não se abate com obstáculos ou espírito de porco, suas atitudes manifestam o desejo de um mar de rosas, fazendo pensar que ninguém merece uma entrega tão descolada.
Nada mais justo, portanto, a homenagem e a corte que encerra o seu deslumbramento.
Uma amizade como essa não existe. Se desbragada a propaganda gratuita de Zero, o desdém por tanta ingenuidade é também exagerado. É inveja tipicamente provinciana de você que se sintoniza com o romantismo sem pé nem cabeça, ao sentir falta de declaração de amor às três da madrugada. Ora, se você enche a bola demais, és um babaca, um dia será traído.
E quando Zero vira o fio e você descobre a opção errada que fez ao se apaixonar perdidamente por uma fulustreca? Não entende o que é que a baiana tem, quer distância de quem apronta um barraco, alma gêmea só em terra de cego, há algo de podre nos domínios do amor. A ilusão é sua inimiga.   
E quando você saca que o Zero amigo é um zé-mané, cuja cabeça extraordinária fora fruto de um delírio que reagiu em cadeia até aquela pessoa, antes apagada no meio da multidão, imergir para surpreender a galera descrente de tamanha fenomenologia, para provar que vale a pena cultivar uma amizade que veio do nada, sem necessidade de pedir referências ou se veio através de quem? Quem mandou ser transparente demais e não acreditar em bruxas?
Confia desconfiando versus a crença que nos dá sustentação e segurança para criar esperanças e construir relações, firmando no amor mal traçadas linhas que não disfarçam quereres, saberes e morreres de pé, para não vergar solitário, impávido colosso.     
Mas você é um zero à esquerda se pensa que pode negociar com a vida a respeito de suas boas intenções na amizade e no amor. O Zero é um agente infiltrado para conter sua sofreguidão infantil em encher a bola como um filho faz do pai seu ídolo e depois descobre seus pés de barro. O Zero se revela quando começa a vacilar e promete que isso não mais se repetirá, uma, duas, três vezes, até a Cinderela virar abóbora.
Quantas vezes você não se aproximou de alguém e a empatia foi total e absoluta? Para, no ciclo seguinte, um ato falho denunciar no Zero um traíra que, como parente, cospe no sangue que corre nas veias da família; como patrão, transforma-se de generoso em mesquinho num estalar de dedos; como empregado, de subserviente vai ao rancor com que te impregna por não ter nascido em berço esplêndido.
A conseqüência inevitável de se encher a bola demais e tomar na tarraqueta, é esvaziar a imaginação e se fechar em concha.

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Antonio Carlos Gaio
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