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JUNG

O que a psicanálise mais revela é a sua preocupação com a inquietude da experiência do sujeito com o inconsciente e a sexualidade infantil no ser futuro homem e mulher, pai e mãe. Antes que seja tarde e ele se torne esquizofrênico, dissociando ação do pensamento perseguido por uma interpretação delirante da realidade. Enquanto a leitura freudiana estava centrada na neurose obsessiva, na histeria e na fobia, Jung avançou a psicanálise à psiquiatria no campo da psicose, analisando os efeitos do disfuncionamento cerebral na desintegração da personalidade.
Dedicou-se a experimentos de associação de palavras para chegar a uma associação de pensamentos, buscando um acesso aos fenômenos irracionais da psique que provaram objetivamente a existência do inconsciente reprimido com forte carga afetiva para interferir na sintomatologia das doenças mentais. Derivando para tudo aquilo até então considerado incompreensível e sem sentido, como fonte de criatividade e potencialidade, e não como depositário de vivências dolorosas recalcadas. Para simplesmente imaginar, sonhar e criar a partir de imagens e fantasias que estão aí no ar, cujo símbolo representa a conexão de opostos, encurtando a distância entre o consciente e o inconsciente que sempre desperta emoção.
A partir daí, criou o conceito de complexo, não necessariamente vinculado ao trauma sexual infantil como Freud afirmara, e responsável em grande parte pelo comportamento destituído do bom senso e desadaptado à realidade. Os complexos resultam de uma colisão entre realidade externa e interna, como se pudéssemos representar: os instintos em luta engalfinhada com a experiência emocional traumática a interferir na performance do comportamento.
No entanto, foi no estudo dos fenômenos ocultos que Jung encontrou o filão da criatividade inesgotável nas formas que as imperfeições adquirem no filme que o mundo sensível roda nas nossas cabeças, a senha para conhecer a fonte psicológica e neurológica da civilização – o reconhecimento à alquimia da Idade Média como fonte de significados psicológicos, alvo de perseguição inquisitória.
Distanciou-se de seu pai, pastor protestante, trabalhador e dedicado à família, mas incapaz de corresponder ao que seu filho mais queria dele: a transcendência do cotidiano e do formal na relação, reduzido aos textos bíblicos e às explicações tradicionais da Igreja – as coisas misteriosas que não temos capacidade de saber. O dogmatismo do pai sufocava o filho, o que aumentou sua vocação para a vivência da transcendência e de intensas experiências emocionais de fatos, imagens e sonhos que incluíam alta dose de mediunidade. Um reflexo de seu repúdio existencial contra tudo que era reducionista e sem criatividade.
A transcendência elucida a genialidade de Jung e, ao mesmo tempo, vincula sua obra ao esoterismo. A má-vontade para com suas idéias é resultante de uma formação racional científica de peso que extrapolou para o misticismo, decifrando o caráter universal dos padrões de comportamento e como o indivíduo se desenvolve em interação com o universo – a alma do Todo.
O pensamento materialista dos freudianos não perdoou o discípulo que buscou os fundamentos do comportamento religioso no inconsciente. Já os teólogos consideraram blasfêmia um médico psiquiatra misturar fé com razão. Cientistas o desclassificam como ocultista e religiosos, como herege. Seus estudos abarcavam o simbolismo da santíssima trindade e o caráter sincrético da religião combinando misticismo e teologia, que reflete a condição espiritual do ser humano.
Ao perceber no aparelho psíquico que o indivíduo tem uma tendência a vencer o seu umbigo e ser dois em um, Jung descobriu a natureza bipolar da consciência que lhe permitiu abordar psicologicamente os grandes paradoxos do conhecimento, como energia e matéria. Expandiu a libido da procura instintiva do prazer sexual para a energia psíquica, expressão de todo e qualquer fenômeno humano na busca da totalidade – a ruptura entre Freud e Jung. Remetidos à sexualidade, o homem e a razão deixam de ser o centro, cedendo à primazia ao Todo em que a psique humana vive numa união indissolúvel com o corpo, o gene pode sofrer mutações por causa do estresse psicológico e o coração pifar diante de uma desilusão amorosa.
O encontro com Richard Wilhelm, sinólogo e missionário protestante alemão que traduziu o I Ching, teve um efeito extraordinário na descoberta da sincronicidade: coincidência no tempo de dois ou mais eventos sem uma causa comum que os correlacione e explique por que, ao final, possuem o mesmo significado. A sincronicidade é um princípio sem relação de causa e efeito. Convida a se manifestar o todo-poderoso Inconsciente, uma percepção desenhada através de imagens desprovidas de pensamento e que gera seres ou objetos confusos, cuja natureza não pode precisar. Parecem caprichos de sonhos fantasmagóricos que esvoaçam e o visitam sem a menor cerimônia, atraindo imagens de nossos primórdios que correspondem a temas mitológicos presentes em contos de fada e lendas populares de épocas e culturas diferentes. Jung denominou-os de arquétipos. Fermentam o inconsciente, no propósito de formar nosso arsenal psicológico, povoado tanto de fantasias individuais quanto de personagens lendários de um povo. São conteúdos de experiência psíquica humana transmitidos hereditariamente com a estrutura cerebral. Sedimentos de experiência constantemente revividos pela humanidade que compõem o inconsciente coletivo de Jung, herança humana universal cujo centro nervoso funciona em sintonia fina, do mesmo modo que o corpo humano apresenta uma anatomia comum. É o inconsciente que abre as portas para a sincronicidade, em oposição à nossa consciência, que se acomoda dentro de certos limites condicionados ao papel que desejamos representar.
Ao se desprenderem, os arquétipos refletem o processo através do qual o indivíduo vai descobrindo quem ele realmente é, se capaz de tomar consciência desse desenvolvimento e influenciá-lo. Um processo de cura pela transformação da alma e do mundo à sua volta.

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Antonio Carlos Gaio
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