Cazuza é um dos filhos de Deus que mais incomodou. O saudoso poeta-menino viveu a todo transe uma época marcada pelo estremecimento que o almoço de domingo nas grandes famílias viria a sofrer. Legando sua marca no ferro em brasa ao cantar “nós somos cobaias de Deus”.
A moda agora é o jogador reclamar da torcida que, ao vaiá-lo, retira-lhe as condições mínimas para exercer seu trabalho sério e laborioso no gramado. Ingrata plebe, as estrelas não entendem que os carneirinhos podem se transformar em lobos quando os ídolos amarelam, pipocam ou brincam no bloco do Eu Sozinho. É óbvio ululante que querem ver o craque rendendo mais, driblando para o lado certo, soltando a bola para aquele livre ali na direita, parar de centrar atrás dos paus e de girar feito uma enceradeira. Pedir para vaiar mais é xingar a mãe do torcedor.
O sadomasoquismo está presente nas arquibancadas. E nas eleições. São Paulo é Alagoas. Alagoas é Collor. Collor é Maluf. Maluf é Pitta. Pitta é Nicéa. E Nicéa rompeu a corrente da felicidade que vinha desde Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Desde a cobrança de propinas de camelôs que vendem guarda-chuvas chineses até empresários de ônibus e construtores.
Ele, negro, humilde e trabalhador, conforme faz questão de apregoar em cartaz de papelão através do vidro do carro oficial. Ela ameaçou a segurança da instituição da família brasileira.
“Os homens agora têm medo de mim. Ficou difícil arrumar namorado”, confessa a ex-mulher de Rubens de Faria – incorpora o espírito do Dr. Fritz e cura doentes. Ao ser traída por uma amiga de sua filha, denunciou o médium por exercício ilegal de medicina e processou os produtores de “Beleza Americana” por plágio.
Rose Marie Muraro considera as Nicéas mais importantes para o Brasil de hoje do que a oposição, porque, vomitada a denúncia, o rabo preso desaparece e as partes íntimas da sociedade são exibidas sem censura, não dando tempo de maquiar ou transferir para um horário político mais apropriado. O caráter de vingança contido no vômito é irrelevante, tratando-se de mau-caratismo.
No carnaval, o bloco Simpatia é Quase Amor desfilou com adereços prevenindo: “Escolha bem sua mulher. Ela pode ser sua ex” e “Casamento acaba, mas ex-mulher é para sempre”. Um taxista não quis saber de cair no samba pois temia que sua esposa confiscasse seu ganha-pão, se o Fusca falasse. Os homens estão cercados e vão seguir o conselho do ACM: a solução é o prostíbulo. Não fazem mais que sua obrigação obedecer os mandamentos da cartilha neoliberal, pagar direitos trabalhistas pra quê? Se diminuirmos os encargos sociais, o nível de emprego embarca no trem das onze e essas lesas-pátrias marcharão ao lado dos vagabundos aposentados, na Avenida Paulista, clamando pelo restabelecimento da monarquia.
Esse negócio de constituir família tá meio falido, casa própria o Sérgio Naya se encarrega de demolir, e a lama chegou finalmente ao mar. A torcida vaia por isso, um fedor danado. Se o cê-cê é meu, olho zangado para Deus por tamanha falta de inspiração, mas agüento. O dos outros, com franqueza.
Cazuza se imolou como o monge budista que pôs fogo nas vestes, esquecendo que também era carneirinho e que não poderia passear por onde bem entendesse, cantando “vamos pedir piedade, senhor piedade, a essa gente careta e covarde”. Seu lobo nos espreita em cada esquina e não vacila, mata e come.
Deixe um comentário