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O ENIGMA DE LUZIA

O incêndio do Museu Nacional, ocorrido no domingo de 2 de setembro de 2018, é o maior desastre patrimonial da História do Brasil. Já a tragédia do estouro da barragem em Mariana, em novembro de 2015, que cobriu de lama de rejeito de mineração cerca de 600 quilômetros da Bacia do Rio Doce, foi o maior desastre na natureza brasileira. O primeiro, de responsabilidade do poder público, especialmente do governo golpista de Temer, que congelou as verbas para a cultura por 20 anos. O segundo, de responsabilidade da iniciativa privada, com a Samarco dizimando povoados, paisagens, vidas e a própria história das regiões atingidas. Que façanha sombria e amaldiçoada para um país que se dizia abençoado por Deus e bonito pela natureza!
Foram reduzidas a pó preciosas provas da Pré-História, muitas delas à espera de serem estudadas. Ossadas e utensílios dos quais pouco sabemos, que se foram para sempre, como também capítulos importantes do Primeiro e Segundo Império, o trabalho de gerações de cientistas que, por dois séculos, reuniram coleções do mundo natural e da arte. Sem contar linhas inteiras de pesquisa e tesouros reduzidos a escombros.
As novas gerações não se encantarão com múmias raras, mesmo no Egito, só se viajando para o exterior. Nem se assombrarão com dinossauros, mastodontes e preguiça gigante, ali expostos como a fauna brasileira sem sinal civilizatório. As labaredas fruto da imprevidência, da incúria e do completo descaso com o bem público lhes furtaram o direito de conhecer, aprender e curtir o orgulho de recordar.
Cumpro meu doloroso dever de vos informar que faleceu parte da memória do Brasil. O Museu Nacional era mais do que um outrora conjunto palaciano de usufruto de nossos imperadores que se transformou em exposições de acervos e monumentos históricos, mas um centro de saber, sim senhor! Centro de ensino, de pesquisas e repositório de coleções científicas.
Se documentos calcinados ou salvos, como nove rolos de pergaminho da Torá de mais de 400 anos de existência, o que concentra as atenções é quanto ao paradeiro do fóssil do crânio de Luzia, um espécime de homo sapiens do sexo feminino com cerca de 11.000 anos de idade, descoberto na caverna Lapa Vermelha, em Lagoa Santa (MG), em 1975. Acreditava-se que Luzia representava uma diferente espécie de humanos na América, que ajudaria a entender a história da ocupação no continente. Luzia negroide em contraste com os orientais que deram no nativo, no autóctone, no popularmente conhecido como índio.
Os avanços em técnicas para obter DNA a partir de restos mortais antiquíssimos, que estão revolucionando a pesquisa sobre o passado da espécie humana para levantar hipóteses sobre migrações de populações, semelhanças e diversidade, visam a responder quem somos nós e como chegamos até aqui. Luzia traria mais luzes para decifrar esse enigma, mas a crônica falta de recursos públicos não permitiu que a investigassem a tempo. Além de morrer duas vezes num intervalo de onze mil anos, na primeira, ainda novinha, e na segunda, queimada. Esse, um enigma de caráter espiritual: com que propósito? Se o Museu Nacional foi reduzido a cinzas, seu conteúdo é irreproduzível e a equipe técnica altamente gabaritada perdeu seu material de trabalho objeto de estudos. Se reconstruídas as dependências da outrora Casa Imperial, que se converteu num museu, com que finalidade de ocupação?
Encontrem primeiro a Luzia. Ela já foi por demais esquecida. É um quebra-cabeça por montar.

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Antonio Carlos Gaio
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