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O MARIDO DA EMPREGADA

O homem que se casa com a sua empregada, firmando um acordo em que, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, a amará respeitando-a. Desde que ela prossiga comungando das prendas do lar e dos assuntos domésticos no entorno de seu provedor.
Encheu o saco de esposa reclamando, de burguesinha cheia de vontades e de feminista que o questiona. Prostrado por tamanha acomodação, fechado que nem um caracol e embotado no afeto. Como não gosta do desconforto da vida de solteiro, precisa de uma mulher para cuidar dele e da casa – a regra é clara. As solas dos pés aguardam uma pedra-ume; as costas, a massagem; as unhas, a manicure.
Aquela que era de copa e cozinha vira de cama e mesa. O que não tem nada demais, porque sem tesão não há solução. E o mínimo que se exige no nível doméstico é atração. Mesmo que seja só física, o resto se constrói depois, como se fosse uma casa ainda na planta. Sintomática sua desilusão com conversa inteligente e filósofos de botequim, sorte da empregada que terá acesso e exclusividade aos seus largos conhecimentos que não lhe trouxeram felicidade. À admiração, obediência, em respeito.
Entende que qualquer relacionamento não pode fugir ao lugar-comum de marido e mulher. Não adianta reinventar a roda com casas separadas, cada um na sua. Porque resvala inevitavelmente para uma relação aberta em que se tenta ficar bem com mais de uma.
Fez uma grande fogueira com o existencialismo que o inspirou na juventude e que não quer ver estampado no formato do casamento com a sua empregada. Se aliviou na fonte em que se banhou, jogando na latrina Sartre e Simone de Beauvoir com seu slogan: “a monogamia ou a liberdade”. Preferiu seguir o exemplo de Marx que, no seu pragmatismo comunista, enxergou nas massas a solução para o amor. O fim da burguesia deve se iniciar no lar para começar um romance com a empregada.
E voltar às origens. Onde a empregada o iniciou na arte do sexo a assimilar os odores da relação, as variações em torno do mesmo tema e os beijos que diferem entre si dependendo do alvo. Não se cansava de procurá-la no quartinho dos fundos como o filho do patrão, para se reafirmar sexualmente. Seja qual for o cenário, de costas no tanque, provando o tempero no fogão, com as pernas de fora limpando a janela, tirando as roupas do varal, distraída. Passando peças íntimas com olhar pidão, encurralada no banheiro, encostada na cerca com o ventre em relevo, uma fonte inesgotável de fantasias. Alisando o cabelo, envolta em toalha branca, através de uma fresta que flagra uma mulher de verdade. Por inteiro. A sua empregada.
Demorou para descobrir que de quatro no ato não é uma posição de submissão, mas de entrega, na busca do ponto mais sensível que torna o considerado cronicamente inviável em um amor possível de ser realizado.
Agora como marido da empregada, retira-a da senzala para ascendê-la ao posto de sinhá, na transição do elevador de serviço para o social, e se livra da culpa, purgando seus pecados dos tempos que fazia amor como colonizador com as mucamas que já haviam lhe dado de mamar.

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Antonio Carlos Gaio
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