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O QUE É SER ESPOSA DE AMYR KLINK

É um mar sem fim. É se atrair por um lobo do mar, arrancá-lo de cima da geleira polar e desviar sua atenção de menino distraído que observa o contínuo movimento de um filete d’água rumo ao infinito. É ter vocação de Penélope e esperar Ulisses, quanto mais ele fica em casa, mais tem vontade de voltar. Para descobrir que quanto mais se conhece esse infinito que busca tanto e seu rosário de problemas, se dá mais valor ao que existe no entorno de seu lar.
Ainda mais que seu pai lhe fustigou a mente quando o pôs para andar, buzinando que a vida é muito curta para se repetir. Foi aí que cruzou o Oceano Atlântico numa noz que vai longe e ancorou numa baía da Antártica, esperando para ser congelado no inverno e retornando ao girar do ano. Entremares, Marina se intromete ao entrevistar o navegador que prefere os pólos e acaba sendo fisgada, se metendo no destino de um marinheiro que gosta de fazer tudo sozinho e abrir mão do que está acostumado a ganhar. Casou com um homem que sente alívio em partir e ficar só.
Marina ama tanto esse filho de mãe nórdica e pai persa, que lhe deu três filhas que vira e mexe o retira de seu remanso particular e o faz mais presente do que muito pai que não sai de casa. Contrariando a máxima de que não existe paixão suficiente para resgatar o lobo do mar. Ela se comporta como um porto seguro diante de seu compromisso com os desafios, enche a sua bola, e não esvazia os pneus, acredita nele, e dele não duvida, transfere seu sangue, e jamais o suga.
Deixando-o à mercê de seu tino, para circunavegar a Antártica em 88 dias, escolhida a mais improvável das rotas, a que cutucou os mares mais temperamentais e gelados de que se tem notícia, negociando dia e noite com ventos fortes, ao sabor da pororoca dos oceanos furando as ondas no trânsito de gelo, neblina e nevasca. Esteve permanentemente dentro do olho do furacão sem contar com o auxílio de ninguém. Salvo pelas raízes que criou através de suas filhas, e pelo orgulho e admiração incondicional de Marina, a nº 1 dele, segura de que irá retornar e inteiro: ele vai, mas volta.
Só que desta feita teve de enfrentar a tempestade do século que destruiu mais de 60 barcos e matou velejadores, obrigando Klink a ficar 50 horas no leme acordado. “Sua paciência vai minando pouco a pouco, você pensa que o tempo não pode piorar mais, o mundo acabando e o caos se servindo do privilégio da ignorância no meio dessa depressão oceânica, cruzando as ondas e humilhando a inteligência ao vergar o Paraty, a pique de capotar”, é o que testemunhou o diário de bordo.
Ao perder contato com Amyr, Marina capta o tamanho das ondas e o cansaço por antecipação que se aproxima sorrateiramente deixando escapar o gás do sono. Manter-se vivo é uma questão de sobrevivência. Voltou são e salvo para os inúmeros braços de quem o ama.
Não é mais o lobo solitário, reflete nas rugas o medo de perder o controle e o peso de tomar decisões o tempo inteiro, a que todos estamos sujeitos. Respira fundo antes de planejar uma nova peripécia. Ainda mais que não se vale da sorte, não há espaço para misticismo nem graças a Deus, a lâmina afiada da espada está sempre pronta para empalar, você só depende de sua capacidade e cuidado para sentir a natureza, de encarar o desafio de que um erro custe a morte, e não a vida, como só e acontece àqueles que estão no mato sem cachorro entre escolher essa existência material e conscrita e a próxima, a próxima aventura. 
Amyr Klink, o Prêmio Nobel da Vela, acusou o golpe de ter escapado desses maus bocados. Sem a sua mulher não seria nada, a família lhe dá de comer o espírito, o êxtase depositou nas filhas. Confiante no futuro, sinalizou que precisará aumentar o tamanho do veleiro para caber as filhas e lhe fazer companhia. Graças a Deus que pôs Marina na sua rota de risco.

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Antonio Carlos Gaio
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