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OS COMENTÁRIOS NÃO ME PERTENCEM

Diário 2022 – Dia 2

Eu não preciso me explicar. Sentada em 48 anos de história (ando tão vegetativa que não há outra expressão melhor para definir), já sei que basta viver. Não devo nada a ninguém, a não ser a minha mãe e meu marido, talvez. O fato é que os anos de “escritora de Facebook”, como já fui chamada, me trazem a experiência que chegou a mim ainda antes desta loucura que é a internet hoje em dia. Invariavelmente, quando escrevo, seja ficção, seja realidade minha ou alheia, seja uma mistura de tudo isso, eu sei que vão comentar e tá tudo bem. Os comentários não me pertencem. Eu não tenho que revidar.

Nos idos de “facebookiana”, frenética eu me ressentia com conselhos que leitores e amigos me davam por achar que eu estava triste por causa de algum texto. Ficava com raiva quando me julgava mal interpretada. Revidava quando sentia meu orgulho ferido por alguma questão qualquer que era única e exclusivamente uma interpretação do outro e não minha. Quer dizer: eu reagia ao que me diziam porque dentro de mim alguma coisa doía. E lá ia eu inventar uma interpretação pessoal sobre o que o outro quis dizer. Como se estivéssemos num tribunal jurídico popular e eu tivesse que advogar a meu favor para provar a verdade.

Hoje, já consigo perceber tudo com outros olhos, mas confesso que bate uma preguiça danada, nessa de saber que sempre vão comentar, não só os meus, como todos os textos e fotos e vídeos e memes e publicações desse mundão digital, e acaba que me exponho muito menos do que devia. Aliás, devia não, eu devo, não nego. Um dos meus poucos triunfos e missões como escritora é escancarar e traduzir o que muita gente sente e não consegue dizer. E não é só uma tarefa ou dádiva da Mariana Valle que vos fala, diga-se de passagem. É de muitos que escrevem e são lidos. Escritor serve pra isso, dentre outras coisas. Muito antes de existirem os influenciadores digitais, os escritores já exerciam sua influência usando o que têm de melhor: sua experiência, seu conhecimento e suas palavras. Não é porque eu não sou um rostinho e um corpinho de Instagram que tenho que me esconder na toca não, menina, fala sério!

Brincadeiras à parte, ou brincadeiras que nos repartem, acontece que esta reflexão me traz aos loucos dias atuais. Se tem uma moda cotidiana que me deprime é esse tal de cancelamento. Se antes era preciso um escândalo de grandes proporções para se jogar pedra na Geni, ou na Maria Madalena, indo mais pra trás, hoje, qualquer palavrinha solta, fora de contexto, ou até recortada e colada numa fake news qualquer pode ser a rocha colossal que irá aterrar um corpo que tanto viveu outras histórias até chegar àquele fatídico momento do post viralizar.

E então trago pra cá o que aprendi nos idos dos meus primórdios no Facebook. Se eu já sei tudo isso, por que tanta preguiça? Por que tenho me escondido? Elementar, caro leitor. Você já ouviu falar que na teoria é tudo bem mais fácil? Eu diria mesmo é que, na teoria, a prática é que é mais fácil. Na teoria. Porque de prática, cá pra nós, a prática não tem nada.

A página de hoje deste meu diário me fez lembrar uma prosa poética que escrevi há tempos. Não sei exatamente quando escrevi, mas sei que publiquei no Instagram e na minha coluna do Jornal Du Gaio em 2020. Segue ela aqui para quem quiser ler ou reler:

POR QUE A GENTE É ASSIM?

Por que a gente anda em círculos sem sair do lugar,
girando até ficar tonto de tanto desencontro
de emoção e comportamento?
Por que a gente vai crescendo por fora
enquanto encolhe por dentro?
Reparou como a gente anda com passos violentos
por cima do nosso próprio jardim,
amassando o verde que arde,
cortando os pés nos espinhos,
sangrando em pétalas de rosas carmim?
Quando será que tudo deixa de ser assim?
Haverá um “sim” que perpetue minha essência
em transcendência aos muros
que cresceram dentro de mim?
Ou é do destino da gente ser assim indigente,
perambulando nas ruas sem casa,
admirando a lua, sem asas para chegar lá?
Alguém pode me explicar?
Eu sei que há um lugar em que tudo é fácil,
a alegria é tátil, a felicidade, eterna.
É terra que não acaba mais.
Não é preciso nem olhar para trás,
porque tudo ficou aquém deste ideal de perfeição
que sacia no dia, de longe, magia.
Sabe onde é esse paraíso?
Ele mora na teoria.
(Mariana Valle – 09/07/2020)

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Antonio Carlos Gaio
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