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CONHEÇA QUEM FOI MARIA MARTINS

Extraído do filme “Maria – Não esqueça que venho dos trópicos”.
Nossa, como é que eu nunca tinha ouvido falar dela? Muito pouco falada para a importância que tem – diria o público não versado, como é o meu caso, e também a crítica versada em cinema.
A mineira Maria Martins foi escultora e filha de ministro da Justiça da Velha República e membro da Academia Brasileira de Letras. Casou-se pela primeira vez com o historiador Otávio Tarquínio, de quem se desquitou perdendo a guarda da filha e o apoio da mãe, defensora do ex-marido, e casando-se pela segunda vez com o diplomata Carlos Martins, então futuro embaixador do Brasil em Washington, e que, tal como ela, gostava de festas e da vida mundana. Gaúcho, colega de infância de Getúlio Vargas, e de quem a artista se tornaria amiga, Carlos Martins foi embaixador brasileiro no período anterior e posterior à Segunda Guerra Mundial, no Japão e na Europa.
Carlos e Maria tinham uma relação aberta, com cada um respeitando seus casos amorosos fora do casamento, mas preservando uma solidariedade completa e ajuda recíproca em seus objetivos de vida – ele como embaixador, ela como artista.
Maria Martins iniciou-se nos anos 1920, quando se entregou de corpo e alma à escultura, aos 30 anos. O casamento aberto e a liberdade decorrente do arranjo permitiram à artista transitar pelo meio artístico sem amarras. Maria mantinha ateliê em Nova York enquanto Carlos era embaixador em Washington. Em 1941, conseguiu sua primeira mostra em Washington e, no mesmo ano, expôs em Paris. No grand monde artístico nova-iorquino, ela despertou o interesse dos surrealistas, como André Breton, fundador do movimento e exilado nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra.
Suas esculturas lembram as raízes de árvores que brotam de braços de rios sem a terra para cobri-las, inspiradas em lendas e na natureza amazônica, que apresentavam formas orgânicas, contorcidas, sensuais. Sempre lembrando para não esquecerem que ela vinha dos trópicos, foi a primeira escultora brasileira a tratar da sexualidade a partir da perspectiva feminina e que construiu obras sobre desejos insaciáveis, o que atraiu o pintor e escultor franco-americano Marcel Duchamp, pai da arte conceitual, a que lhe dedicou duas obras, como testemunho do impacto da beleza e da sensibilidade vibrante da artista (Étant Donnés, que é o corpo dela) – com Duchamp manteria um longo e profundo relacionamento amoroso, mesmo à distância, até ele vir a morrer em 1968. Antes ela já lhe havia dedicado, sem mencioná-lo, “O Impossível”, escultura de 1945, hoje exposta no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA).
Foi amiga de Picasso e Mondrian, entrevistou Mao Tsé Tung, e fez, na primeira metade do século XX, coisas que eram impensáveis para uma mulher. Trajetória que aponta para caminhos ainda hoje difíceis de serem trilhados, mesmo na nossa época em que se discute abertamente o lugar da mulher.
Suas obras seriam reconhecidas internacionalmente na seção de Arte Moderna do Museu de Arte da Filadélfia e também no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMa), sendo que um dos trabalhos expostos foi adquirido pelo MoMa. No Brasil, sua presença maior só se deu em 1951, na Bienal de São Paulo, mas o reconhecimento apenas chegou em 1955 ao ser premiada com o título de melhor escultor nacional. Verdade seja dita, a obra de Maria Martins nunca foi tão celebrada no Brasil quanto no exterior, atribuindo-se ao aspecto transgressor, à sensualidade das obras e ao pioneirismo o nome da escultora permanecer incompreendido no meio artístico conservador brasileiro, até ela começar a ser redescoberta nos trópicos, no século XXI.
Num primeiro momento, tamanha a força e a potência, o trabalho dela pode causar um afastamento. Tem uma coisa de figuras meio monstruosas, uma ligação com floresta meio agressiva, mas que, no todo, revela uma artista fora do comum e extraordinária, embora relegada a um plano obscuro, de ostracismo, cujas ideias não foram veiculadas e que poderiam trazer muitos benefícios à causa da mulher.
Empoderada? Era Maria Martins! Sem precisar da aprovação de ninguém, vivendo sua vida com inteira liberdade. Ainda mais originada de uma sexualidade absolutamente explícita no contexto de sua psique, proveniente de uma mulher extremamente feminina, mas, por vezes, igualmente fálica. Muito do que ela viveu como mulher, ex-mulher, mãe que não ficou ao lado da filha, são questões ainda hoje tabus.
O bom uso da liberdade costuma ofender os que receiam transgressões.

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Antonio Carlos Gaio
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